terça-feira, 16 de outubro de 2007

Linha de Risco

Quando nossa bola de meia caiu bem no vão do telhado do seu Jacinto, ficamos com medo. O acesso era bem perigoso. Não sei se tanto pelo tosco telhado ou se muito pelo temperamento do próprio seu Jacinto (?) Hoje penso que sei que era pelos dois...

Quando me tocou a vez de pegar a pelota – sim porque prova de fogo era o que não faltava em nossa turma – fiquei cara a cara com a decisão e o abismo: - ir ou fugir, buscar ou correr, encarar ou deserdar, valer ou sucumbir(?)

Fui, peguei e venci. Longos – quase eternos – segundos que me presentearam experiência mas afanaram vida.
Só Deus – (Deus?) – sabe o que me custou essa aventura. Fiquei na corda bamba da vida; andei no fio da navalha; saltei os trapézios do mundo, sem rede lá em baixo pra me socorrer.

Olhando de fora parece nada, especialmente para os adultos. Mas pré-adolescente é fogo. Tudo é conclusivo terminal. É o caos personificado. Não bastasse a circunstância naturalmente instável dessa fase da vida, qualquer pólen, a mínima partícula, apenas um sopro são o que basta para multiplicar o universo de fantasias e contradições desses desafiantes do juízo. Ó têmpora! Ó mores! Mas esses são os tempos e os costumes que se apropriam das marcas mais significativas, que , de fato, referenciam o resto de nossos dias.

São verdades ou informes procedentes que germinam e se enraízam no âmago e dão o tom e o propósito de nossa paisagem interior. Apesar de crescidos jamais desistimos de ser adolescentes. Por que será?

E naquela jornada – difícil jornada – nos meandros de um telhado alheio mergulhei cegamente na imensidão do próprio medo. Quando, mais por sorte, consegui reaver fôlego e compreensão, percebi que o sentido das coisas é apenas o sentido de nossas conveniências e necessidades. Ninguém sente o que não precisa ou o que não deseja. Afirmação polêmica? Tese irresponsável?

Pois é, foi por essas brenhas que penso ter desbravado estranhos territórios onde comodamente se acampam os grandes debates e as pequenas razões. Conforta saber que bem pode ser o contrário!

Importante mesmo é saber que de tudo isso ficou a noção de que na vida, no mundo, no ontem, no amanhã, na realidade e no sonho é preciso um sutil contorno de limites. Por que? Porque nós somos, felizmente, limitados. Ah, mas o que sonhamos é ilimitado – dirão alguns. Mas só nós sonhamos nossos sonhos – e nós somos limitados – portanto...

É jugular entender que as raias, as áreas, as fronteiras, os parapeitos não são exercícios estéticos mas sim necessidades éticas, existenciais, primordiais. Nós precisamos de linhas, redutos, tocas, referências, parâmetros, endereços, demarcações. E sem querer, como mágica, arregimentam-se dentro da alma da gente uma porção de grandezas demarcatórias: - dor, prazer, agir, omitir, condenar, perdoar, aceitar, negar, acertar, errar, verdade, mentira, amor, ódio, traição, lealdade, início, fim, tudo... nada!

São linhas divisórias do viver e do conviver. São traços que trespassam nossa abstração e sensação. São demarcações anímicas que determinam os contornos de nosso ser e estar, querer e poder, ter e saber.

São paralelas, transversais, diagonais e avulsos riscados na latitude da consciência, mapeando as possessões do temor e da coragem, do comedimento e do arroubo, da sanidade e da loucura, da possibilidade e do infinito, do sagrado e do mundano, do real e do virtual, da presa e do predador, do pecador e do beato, do Deus e do demônio.

Linha de risco está – ou quer estar – no cenário dessa realidade divisória. Não porque queira discriminar, separar, segregar. Não! Apenas porque quer compreender. Divide e divisa para entender. Valerá tal intento?

Dizem os entendidos que bem no meio dos opostos, existe um vasto caminho afeito ao trânsito e ao tráfego das melhores e mais aceitas reflexões. Dizem que a fronteira espacial ou temporal que separa o interior e o exterior de um objeto, ou a mudança de estado da água por exemplo, ou ainda, as variações do humor, como riso e raiva, compreendem uma grandeza natural denominada catástrofe. É aquele momento crítico em que nada está cabal ou definitivo. É a fase não conclusiva do momento vivencial. É o recreio do pensamento. É o intervalo do arrazoado. É a recreação do sentimento. É o bastidor da paixão e da razão.

Linha de Risco pode ser tudo isso mas admite, também, não ser nada disso. Meus momentos no telhado do seu Jacinto me ensinaram a buscar essa tolerância e essa flexibilização.

Moderno, hem (?) Nada disso – apenas possível, tolerável, real, óbvio, elementar.

Você, leitor sim, saberá em que linha deverá pisar; que risco vai querer correr(?) que traço poderá riscar, delinear, sombrear, imprimir, contrastar. Na verdade, você é o verdadeiro autor destas linhas pois tão somente com tua autorização, mercê de tua autoridade, é que o sentido e o significado deste risco poderá gerar risco maior e mais plausível.

É o risco da felicidade suprema. Esse é sem apelação. Irrecorrível – inquestionável, inapagável. Saia da linha – risque e arrisque – boa leitura!

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Escola Técnica

Não são sete e sim quarenta e sete anos de luta pela instalação de uma Escola Técnico-agrícola em nosso município. Mudam os governos – alternam-se os Partidos no poder e o assunto comete o prodígio de morrer sempre e cada vez mais. Mas, afinal, qual o problema? Será que a cabeça de burro resolveu ingressar no difícil e reservado status da superação absoluta(?): - nem ontem, nem hoje, nem nunca...

No terreno da verdade é oportuno que se diga que aquela área – onde funcionou a Febem por muitos anos – foi desapropriada por supremo e insofismável interesse público para que ali se erigisse uma Escola Técnica. Esse foi e é o pressuposto do interesse público e da seqüente desapropriação. Quase 50 anos são passados e nada de se cumprir a obra que é substância do interesse que é razão do ato de desapropriar. E aí? – como ficam as coisas? Comenta-se que descendentes da família desapropriada pensam reivindicar a retomada da área uma vez não cumprida a finalidade substantiva da desapropriação: Escola sem funcionamento é cabal tarefa inconclusa – portanto fim não cumprido, promessa não realizada. Diante do exposto qualquer tribunal, não hesitaria em determinar a imediata devolução do objeto mal havido e mal mantido.

Mas, enquanto não desaba o temporal jurídico, vale comentar a indolência dos governos em relação a Escola Técnica de Dom Pedrito.

A atual Administração Municipal tem demonstrado empenho de resolver a questão junto ao Governo do Estado.

Recentemente o Governo Estadual aqui esteve para conversar sobre o tema e, na verdade, o que fez foi alimentar a frustração de todos, pois não falou sobre o imediato funcionamento da Escola (como já estava acordado) e sim sobre a necessidade de se fazer uma Escola Técnica em Dom Pedrito. Ora, um indisfarçável desrespeito a todos nós!...

O emissário, em uma autêntica conversa de “cerca Lourenço” dissertou sobre a quantidade de escolas técnicas já existentes no Estado e a dificuldade de mantê-las e por aí vai. São 147 ao todo. Cabe perguntar: - desse total, quantas estão na denominada metade sul? Provavelmente não mais de dezena e meia...

Cá entre nós – com toda a franqueza – não será difícil deduzir que essa empreitada (escola técnica) e outras do gênero não comovem as forças político-eleitorais do Estado e do País, porque, enfim vivemos em uma região de baixa população e conseqüente baixa densidade eleitoral.

Em uma democracia decente esse fato seria bem absorvido e não significaria problema ou defeito. Já em nossa ajeitada democracia de quantificações grosseiras a questão chega às raias do pejorativo. Que culpa temos de não possuirmos todos os eleitores de que precisam nossos políticos?

Com votos ou sem é imperativo que essa Escola Técnica, que há 47 anos foi prometida, funcione e bem. È uma questão de honra para os pedritenses.

O direito é nosso, a obrigação é do governo e a reflexão é de todos.

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

O leão de Andrócles

Das muitas histórias ouvidas na infância, lembro de uma que tem o prodigioso poder de sempre atualizar-se pela qualidade intrínseca de sua grata mensagem: - fala de amor, simplicidade, liberdade e “gratidão”.

Conta-se que Andrócles, um modestíssimo escravo grego, perseguido pelas legiões romanas, refugiou-se nas cavernas. Lá dentro, um grande leão urrava de dor porque um incômodo espinho cravara-se em uma de suas patas. Andrócles fugia dos romanos, caverna a dentro, dividindo seu espaço com o leão ferido.

De que lado estava o perigo maior??

Do lado de fora, perderia sua liberdade, certamente. Do lado de dentro, corria o risco de perder a vida. Vida ou liberdade?...?

Obedecendo o imperativo de seu sutil entendimento humano, que jamais despoja-se da sagração da dignidade, resolveu perder a vida pois, - “vida sem liberdade, não vale nada...”

Aproximou-se da fera – até porque não restava outra alternativa – e vencendo o medo, pronto para ser, sumariamente, devorado, desentranhou o formidável espinho que castigava o animal.

Milagre dos milagres – o leão não só não o atacou mas, como num “gesto” de gratidão, lambeu, carinhosamente, a mão de seu benfeitor. Os tempos passaram e Andrócles, finalmente, foi capturado. Levado para Roma para engrossar a multidão dos desvalidos, cumpriu tarefas de humilhação até ser jogado no meio da arena, ao sabor dos leões famintos e ferozes. Tudo isso para gozo e festa de um povo insatisfeito que vivia de favor, com pão e circo.

Quando Andrócles preparou-se para morrer, precocemente, pela segunda vez, eis que outro milagre aparece, desafiando a ordem.

Sob a gritaria histérica da platéia, um dos leões avança, decidido, na direção do grego. Fome e ferocidade era o que se lia nos olhos da fera... O espetáculo valeria a entrada!

Surpreendentemente o leão aninha-se como gato manso e lambe, com suavidade, os pés do escravo. Posta-se em sua guarda para defendê-lo contra tudo e contra todos. O povo quer sangue. O Imperador quer decisão. Aplausos de um lado – vaias de outro – Roma precisa sobrepujar. Um batalhão bem armado entra em cena para resolver a questão. Com ferros e força mata o leão e o escravo.

Pela primeira vez o povo não aplaudiu o ato. E assim, começa a cair o Império que julgava ter se erigido para todo o sempre.

Modernamente, essa história não tem leões mas tem outras feras igualmente famintas e perigosas povoando as cavernas insalubres da periferia de pessoas miserentas, seres incompreendidos, cidadãos marginalizados, mães solteiras, pais alcoolizados, humanos brutalizados – verdadeiros leões transpassados por penosos espinhos sociais...

De certa forma, estamos todos no meio dessas arenas condenatórias à espera do enfrentamento, para riso e delírio dos governos incompetentes.

Quantos de nós podem esperar a “gratidão” e a fidelidade desses “leões de Andrócles”...??

Quem anda por aí, no ermo das tocas urbanas, sob a índole da caridade e da liberdade, arrancando espinhos sociais, tem direito de alimentar alguma esperança de, um dia, poder sobreviver para, enfim, resgatar a dignidade humanitária para si ou para a posteridade.

Quem não anda – que ponha mais uma tranca na porta para resguardar mais uma culpa na consciência...

Um Arquipélago

O Brasil é um continente apenas sob o ponto de vista geográfico, Social e economicamente nosso País é um arquipélago – com ilhas de prosperidade e ilhas de miséria. O conceito é bem conhecido mas nunca será demais reenquadrá-lo na análise cotidiana. Até porque essa realidade, além de se consolidar, tem se expandido perigosamente. Vivemos o momento máximo dos contrastes... Enquanto existe um Brasil que dança e balança ao ritmo da boa qualidade de vida, com fartura de cama, mesa e banho, há um outro, bem ali atrás da esquina ou de baixo da ponte, faminto, doente e sem qualquer expectativa. Se a ciência social tem vez, e sempre tem, não há sociedade que se contenha em sua própria pele coletiva com tamanha descontinuidade.

Se falta aqui e sobra acolá – de maneira tão gritante – é porque ainda somos apenas uma Nação. Apenas nos “igualamos” pelo nascimento em um território politicamente soberano. Ainda não somos um país, verdadeiramente. Língua, leis e amor à Pátria são valores universalizados por força de uma circunstância utilitária mas não por uma vontade étnica ou espiritual. Quem somos nós?? O Brasil será capaz de identificar o Brasil??

Salvo esporádicos e acidentais movimentos de massa mais afeitos ao esporte e ao lazer (futebol e carnaval), nada há que ligue, de forma produtiva, os esporos da consciência brasileira. A eleição por ser obrigatória não se inclui no rol dos movimentos populares espontâneos, e portanto, não logra o merecimento de ação nacional por motivação coletiva.

As ilhas brasileiras não se conhecem mas se temem. Não se amam mas se respeitam. Não se odeiam, apenas se indiferenciam...

Quando, enfim, seremos um continente – grande, forte, unido e poderoso – como cantou Gonçalves Dias, Duque Estrada, Castro Alves, Bilac, Rui, Machado e outros??... Quando?...

terça-feira, 21 de agosto de 2007

Pobre-rio - pobreriu...

Confesso que ainda não sei com quantos paus se faz uma canoa...

Mas, se soubesse, não saberia remá-la em nosso rio Santa Maria.

E quem saberia sem utilizar os fartos recursos virtuais, singrando mapas e velejando sonhos?...?

Verdade seja dita: - o rio continua dizendo presente na sessão da cartografia oficial. E mais – o rio é real no imenso vale verde de nossa geografia sentimental...

Serpentiforme, corre, solto e limpo, páginas a dentro de uma história que ainda não exauriu nossa alma! E só...

Porém lá, onde o sabiá o cantava, a coronilha o sombreava e o pintado o deliciava, não está mais.

Lá onde o barqueiro remava; o Zé do Caniço saciava sua fome; a Maria das Trouxas lavava sua roupa; o João da Carroça colhia sua areia; a Madalena dos Trapos juntava seus gravetos; o Pedro dos Calções mergulhava suas doces mágoas; a Ana dos Brincos navegava seus caprichos e o Paulinho do Bodoque se lambuzava de pitangas, não está mais.

Cadê o rio??

Lá onde estava e sempre deveria estar, não está mais...

Onde está?...?

Será que correu todo para o mar?? Para o mar da Internet?...

Será que, aterrorizado, recolheu-se às nascentes, a espera de um tempo de paz e sanidade?? Será?...?

É possível que, envergonhado com sua inutilidade tenha se enterrado, definitivamente, na moderna consciência do “obsoletismo programado”... É muito provável que, envelhecido na rotina das águas e das mágoas, tenha se asilado nas têmporas do vento. É deduzível que o aluvião dos desenganos tenha arrasado a derradeira fortificação de seu amor próprio.

Conjecturas...!

Cadê o rio??...

Será que fugiu para a longínqua pátria do nada?? E será que isso é tudo?? Será?...? Pobre rio – pobrerio – pobreriu...!

Gratidão

Na minha opinião, o mais nobre traço de caráter é a gratidão. Para que uma pessoa atinja o verdadeiro estágio da gratidão – aquele sentimento sincero, sereno e inquebrantável de reconhecimento – é preciso que tenha passado, vivencialmente, por outras fases.

O grato é generoso, compreensivo, inteligente, brioso, polido, modesto e profundamente terno. A sensibilidade, a lucidez, a devoção e a sociabilidade são sempre fartas e pródigas nos indivíduos gratos. Gratidão faz simetria com lealdade, honestidade e bondade.

A gratidão é o inocente desnudamento da alma. É o brilho mais genuíno do espírito. É o parâmetro mais justo e adequado para as grandezas da solidariedade humana. Quem agradece vê além de si mesmo – transcende! A gratidão é o reconhecimento inquestionado das qualidades dos outros e o fortalecimento das próprias.

Os egoístas, os invejosos, os pretensiosos jamais conseguirão ser gratos.

Os mesquinhos, os avaros, os torpes, os desinteligentes e os desbriados nunca terão motivo, razão nem coragem de agradecer.

Gratidão é uma qualidade que só passa pelos tênues fulcros da auto-crítica.

O grato é sempre sumamente humilde mas nunca humilhado. O grato é modesto, mas jamais vulgar.

No mundo bravio a altamente competitivo em que vivemos, que valha, enfim, a máxima de nossa cotidiana e tão verdadeira vivência: - agradece quem pode, seja ingrato quem precisa... Gratidão é fartura. O contrário é miséria...

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

A lei e o cidadão

Alguém já disse que este País tem leis demais e oportunidade de cumpri-las, de menos.

Tamanha a avalanche de normas, preceitos, regras e receitas de boa conduta a desgraçar nosso sorridente Brasil que se pode afirmar: ninguém vivo está fora do alcance da lei nacional. Na verdade estamos todos sob a severidade cotidiana da mesma, quer despertos ou sonolentos, trajados ou nus, risonhos ou taciturnos, sadios ou moribundos. Todos estamos no foco implacável das normas. Aliás tem tantas que é possível declarar: - na maior parte das vezes não é o cidadão brasileiro que está contra a lei e sim a lei que está contra o cidadão. Falei em vivos mas não seria exagero dizer-se que mesmo mortos às vezes nos vemos aos tapas e beijos com o denominado "ordenamento". É claro que tais embates não nos alcançam diretamente (se não vivos) mas por certo penalizam ou redimem os nossos.

São tantas a regras - umas que obrigam outras que concedem direitos; umas que trancam outras que destravam; umas que inovam outras que conservam; umas que iluminam outras que escurecem; umas que estimulam a vida e outras nem tanto... São tantas, caro leitor, que vendo bem, nenhum de nós (salvo honrosas e - perdoem, raríssimas - exceções) está ou consegue ficar fora dessa arca. Aí estão os códigos. Eis os regulamentos. Quem já não viu os estatutos? E os contratos? E as letras miúdas das minutas?

Leis gerais, especiais, regionais, departamentais. Lá no alto a Constituição, depois as codificações penais, civis, trabalhistas, comerciais, tributárias, processuais e por aí vai. E tem regra para o trânsito, para a telefonia, para o condomínio, para a moradia. Tem preceito para dar e vender. É provável que ficasse sem contestação quem afirmasse que todos estamos em, algum momento, contra uma norma qualquer. É possível também que muitos ou todos estejamos potencialmente favorecidos por regras que desconhecemos.

De qualquer forma, o fato é que estamos em um mar de leis -onde nadamos ou afundamos; onde rumamos para porto seguro ou navegamos à deriva, ao sabor das salgadas circunstâncias. E pensar que tudo começou com a necessidade de instrumentalizarmos a convivência com nossos semelhantes. As leis foram criadas sob a égide do bom senso como ferramentas a serviço da humanidade.

Essa é a leitura ideal e justa a respeito. A lei para o homem e não este para a lei. Hoje pode se dizer que somos escravizados, quando deveríamos ser libertados pêlos preceitos legais. São tantos, tão complexos e tão desconhecidos, especialmente em nosso país, que vale dizer - temos leis demais e oportunidades de menos de cumpri-las ou usufruí-las. Que fazer? Um burocrataço com odores políticos saltará de lá, eureka, com a solução tremulando, tremulando - "para suprimir leis crie-se este singelo regulamento"...!

Como é (?) - lei para acabar com a lei???...

É muita coisa para todos nós!

Perguntei a um grupo de jovens o que acham disso?

Um deles, provavelmente o líder, se adiantou como porta-voz e pronunciou: "legal"...!

Falou e disse!

terça-feira, 7 de agosto de 2007

Gargalhadas e gaiatadas

Dá para ouvir a algazarra, do Sistema Único de Saúde, toda vez que as comunidades se empenham, com sofreguidão, a juntar migalhas para alcançar aos seus alquebrados hospitais filantrópicos. São esforços comoventes para não deixar que cerrem suas abençoadas portas, por onde comumente entram pessoas humildes em busca de um lenitivo para suas dores que são tantas e tamanhas.

É a própria vida da comunidade que é severamente ameaçada de fechar surdamente suas portas, de par em par, numa macabra coreografia de sofrimento e miséria.

Meu Deus, mas que descalabro é esse? - Lá no abismo desse desmando, são audíveis e tonitruantes as gargalhadas do Ministério, que se vê, milagrosamente, descomprometido de cumprir seu dever porque a comunidade zelosa, foi mais rápida, solícita e provedora.

Faz (e fez), penosamente, o que a Administração Estatal não faz (nem fez). Mas continua pagando altos e escorchantes tributos.

Como dizia uma surrada marchinha carnavalesca - O Ministério não quer outra vida. Declina, gaiatamente, de sua obrigação de prover satisfatoriamente bens e serviços de saúde, pela distância e quase inexpugnabilidade de seus muros e, especialmente, toda vez que as comunidades tomam a dianteira e fazem o que as autoridades não fazem.

Até quando?

Chega! Basta! Não é saudável eternizarmos esse estado de coisas.



segunda-feira, 6 de agosto de 2007

O tom da indignação

Houve um tempo em que bastava uma pessoa de bem - leia-se com peso moral e respeitabilidade - falar de um assunto e este incorporava uma importância e uma significação marcantes na vida de uma comunidade. A densidade das palavras e das atitudes estava na dimensão equivalente da credibilidade, da confiabilidade, e do valor intrínseco do verbo e do exemplo. Era a verdadeira potência dos gestos e das palavras, em tempo de paz.
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Hoje, porém, em que pese o grau de respeitabilidade de quem fala, comentando, reivindicando, sugerindo, criticando, elogiando, etc, a mansidão não valoriza nem intensifica a essência e o conteúdo dos temas e das questões.

Em outros tempos se punha um governo a correr com a força das palavras e dos semblantes. Hoje os governos, de maneira geral, por terem perdido o recato, não se movem nem se comovem com isso. São surdos e cegos, mas, não são mudos, infelizmente. Quando querem subir ou se manter buscam apoios diversos, inclusive dos que falam com razão e agem com dignidade. Depois de vitoriosos tomam novas e polpudas doses de indiferença e antalgia.

Mas não se enganem, nem se compadeçam: - os governos não entraram definitivamente para o rol dos sensitivamente incapazes - não - não houve mutilação, perda de tecido ou ferimento grave. O que aconteceu foi "apenas" um deslocamento (eu diria envelhecimento) do tonus perceptivo governamental.

É a catarata oficial. E a surdez progressiva institucional. O que mudou, na verdade, foi o grau da capacidade de apreensão e compreensão dos governantes. Hoje não é qualquer murmúrio de quintal que demove a paquidérmica máquina pública. É preciso muito mais.
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Hoje impera a denominada política do relhaço. É a nova (e funesta) era do látego, da gritaria, do quebra-quebra. Não é só a qualidade do protesto que mudou - mudou a forma, a quantidade, a contigencialidade e acima de tudo, o tom.

Aí estão as manifestações que abundam em nossas vias e povoam os noticiários. Sem terras ali, sem tetos aqui, sem emprego, sem saúde, sem segurança, sem veracidade, sem educação, sem comida, sem dignidade.

Nesse tom - quase sempre nos limites da barbárie - é possível perceber a comoção governamental e seu conseqüente requebrar de ossos. E move-se célere, solícito e visivelmente temeroso. Mas afinal, de que ou de quem tem medo o governo que, salvo melhor juízo, detém o monopólio da força? Tem medo da rejeição ideológica, da solidão administrativa, do esvaziamento assistencialista, do despropósito clientelista - tem medo de perder o voto, o poder, a vantagem. E por isso só tem olhos e ouvidos para escândalos e ruidosidades. Muitos setores de nossa sociedade há muito já se aperceberam disso — os sem terra, por exemplo, conseguem muito mais portando bandeiras invés de enxadas. As bandeiras geram ambiente de disputa. As enxadas amanham a terra e a alma, produzindo riqueza e calma. Quem quer isso? Os homens de bem querem - os governos populistas não.

Por essas e por outras, é que populações ordeiras e pacíficas como a nossa estão perdendo terreno e amargando um balaio de frustrações. Agora mesmo, educadamente, levanta-se contra o aumento da tarifa nas contas de água. Fala, pondera, solicita, reivindica, faz abaixo assinados. Conseguirá ser vista e ouvida??

Ou terá que reger-se em outro tom - pelo diapasão da indisciplina? Nossos representantes e autoridades tem a palavra.

Mais que isso - tem a oportunidade da atitude! Que seja!

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Uma Nação, ainda...!






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Quando os poderes da república estão mais interessados em suas conveniências do que na premência das necessidades sociais, fica difícil imaginar que alguma solução para os graves problemas nacionais, possa vir por via institucional.

Que razões teria o cidadão comum, para acreditar que, um dia, por plena iniciativa institucional os empregos (dignos) brotassem aqui e ali; que a saúde pública saísse desse atoleiro em que se encontra; que a educação realmente fosse mérito que alavancasse justiça social; que a segurança fosse pão farto na mesa e no espírito de todos; que a moradia e o alimento fossem disponíveis e acessíveis; que os impostos fossem, convertidos em bens e serviços de comprovado proveito público; (?) se o que se vê, cotidianamente, é um ataque brutal, ao preceito mínimo da convivência cidadã. Não se faz saúde pública satisfatória mas se gasta muito em questões eleitorais. Não se qualifica o ensino como este merece, mas se multiplica o tamanho do Estado. Habitação e comida são carências conhecidas e reconhecidas no mapa brasileiro, mas as Instituições, salvo raras e honrosas exceções, fazem vistas grossas e deixam tudo como está até a próxima campanha eleitoral.

Apesar de tudo isso, ainda somos, teimosamente, uma Nação.

Os tênues laços que nos mantém vivos, presos ao conceito pátrio que nos identifica clamam para não perder os elementos básicos de sua substância: - esperança e vergonha. Se na esquina da história, um dia, perdermos tais referenciais, por certo esse será o último dia de um país que se chamou Brasil.