terça-feira, 17 de maio de 2011

O COMUNISTA

Lá pela década de 50, o Partido Comunista Brasileiro vivia na mais absoluta clandestinidade. Tudo o que dissesse, fizesse ou pensasse era, rigorosamente, ilegal. Volta e meia prendiam um camarada aqui, outro acolá, e às vezes trancafiavam grupos inteiros.
Dom Pedrito, que naquele tempo estava plenamente inserido no contexto nacional, também abrigava partidários de Marx. E não eram tão poucos assim...
Em assembléia geral, enchiam bons quatro bancos da Praça Central. Só os partidários, é claro. Se fôssemos contabilizar os curiosos, precisaríamos de todo o Largo da Estação Férrea.
Pois, certa feita, os comunistas locais resolveram desencadear um ardente comício de preparação ao grande e redentor levante. A notícia corria em surdina, cuidadosamente codificada, passava de boca em boca, articulando a secreta senha da revolução.
O encontro seria na frente da casa do líder maior, lá no bairro, quase fugindo da área urbana da cidade.
O sinal para o momento da reunião seria um ruidoso e ensurdecedor foguetório. Era mês de junho e a contemporaneidade do evento com as festas de S. João, seria a estratégia genial para não levantar suspeitas e não cutucar a força repressora. Dito e feito! À hora aprazada do dia escolhido estouraram as bombas, incendiando a fria noite do outono pedritense.
Joselmar Alves, vulgo Chinoco, um tipo popular, acidente da vida, dono do maior e melhor quinhão de inocência deste mundo, fisionomia quase asiática (daí o apelido), simplório, serviçal, ajuntado com Ivonete, transpirando ignorância e infantilidade por todos os poros, não ficou indiferente aos foguetes e correu na direção do tumulto.
Lá no palanque, dizia-se isto e aquilo a respeito de patrões e empregados. Convidava-se o povo para tomar o freio nos dentes e disparar pampa a fora em busca de poder e liberdade. Falava-se muito na heróica Bolchevista e na histórica virada a favor do proletariado.
Chinoco não entendia o verbo mas estava encantado com toda aquela barulheira. Curioso, esperava o espocar de mais foguetes e, como criança, catava os panfletos que choviam graciosamente, por conta dessa intentona. Nisto, foi um corre-corre, um Deus nos acuda.
Era a Força Repressora que chegava inteira e decidida, desmanchando o comício e prendendo uns e outros. Nessa confusão pegaram também o Chinoco para explicar-se no Quartel.
Naquela noite, Ivonete não teve seu companheiro dividindo o travesseiro. Lá na guarnição, interrogava-se este e aquele para saber-se a dimensão da revolta e a aquilatar-se os efeitos da travessura. No interrogatório, foi inevitável o exercício de saudáveis joelhadas e instrutivos cascudos, só para objetivar as respostas. Chinoco não ficou fora desse salutar expediente. Aliás, recebeu dose mais generosa porque, na verdade,  suas respostas confundiam o Conselho Inquiridor. Um dos Conselheiros, em momento de extrema estafa, chegou a afirmar que aquele era o grande mentor do movimento subversivo. Logo convenceu-se do contrário...
Ao amanhecer, Chinoco foi solto, levando uma imensa baralhada no peito e um belo galo na testa.
Na cidade pequena, a fofoca logo se espalhou. A própria Ivonete, esposa dedicada, de origem bugra, tão inconscientemente feliz como o marido, também ficou sabendo que Chinoco tinha sido preso como comunista.
Ivonete era católica fervorosa. Naquele tempo, católicos e comunistas fugiam uns dos outros como o diabo da cruz. Naquele tempo...
Às sete da manhã, Chinoco bateu na porta de sua Ivonete. A porta se abriu e uma tranca de madeira de lei, habilmente manobrada pela doce Ivonete, achou o outro lado da testa do marido folgazão, má conduta, herege, comunista.
Uma surra na guarnição e outra em casa, só para aprender!...
É, pois, que nesta vida cada indivíduo há de pagar o preço de suas convicções ou pela falta delas... Na rua ou dentro de sua própria casa!!
Esse é o mundo. Assim é a história...

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