quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Bom Negócio

Lafaiete Barroso acabara de preencher sua ficha no Hotel Central.
Vinha de muito longe e pretendia permanecer algum tempo na cidade. No espaço que perguntava profissão ou atividade escreveu simplesmente corretor.
Subiu ao quarto, esparramou suas coisas e mais tarde desceu para jantar.
Muito simpático e extrovertido foi logo entabulando uma conversa cordial com o porteiro e com o garçom. Quando lhe deram oportunidade, perguntou, de cara, quem era quem no lugar (?).
Porteiro e garçom divergiram um pouco nas primeiras informações mas, por fim foram unânimes em afirmar que o homem mais rico e importante da paróquia era o Coronel Fulgêncio, que morava bem ali do outro lado da praça. Lafaiete gravou o nome conversou mais um pouco e depois pediu licença para recolher-se.
No outro dia, depois do café, pegou sua pasta e foi ter com o Cel. Fulgêncio.
Na porta da mansão foi atendido por uma preta, muito preta vestindo um avental branco, muito branco.
“Bom dia. O coronel Fulgêncio está?
“O coroné tá drumindo...”
“Pois então entregue meu cartão e diga que volto mais tarde.”
“Sim sinhô.”
Além do nome e da profissão o cartão de Lafaiete tinha impressa uma intrigante e insinuante afirmação: “ Terras do Brasil virgem – compra hoje, economiza amanhã e lucra sempre.”
Lá pelas onze horas Lafaiete voltou a casa do Coronel. Foi mandado passar para a sala principal. Comodamente sentado em uma poltrona como se fora um trono lá estava o Coronel Fulgêncio segurando com as duas mãos uma bengala. Não levantou-se para o forasteiro, apenas fez um pequeno gesto indicando para que tomasse acento na cadeira próxima. Barroso apresentou-se, disse de onde e a que viera. O Coronel ouviu calado e sério as explicações do corretor:
“São terras a espera de um homem de visão como o senhor”- concluiu o vendedor.
“E quando custam?” – perguntou o coronel, com autoridade.
“Por enquanto não lhe custam nada.”
“Mas como isso?”.
“São terras devolutas – sem dono. Preciosamente perdidas nesse imenso País. Eu só quero seu assentimento para poder negocia-las”.
“Mas como vou lhe dar permissão pra vender o que não me pertence?”
“Se o senhor me disser sim já são suas. Eu apenas preciso do seu nome para encaminhar esse negócio”.
“Mas eu não estou lhe entendendo”.
“É simples. O senhor só me diz que quer as terras e eu as negocio para o senhor. Se por ventura eu não conseguir passa-las adiante no espaço de um ano o senhor fica com elas por apenas 20 contos de réis”.
O preço era dado de barato.
“Mas e a escritura?”.
“O senhor assina nesta simples autorização de venda e eu deixo como garantia o meu relógio”.
O coronel examinou o relógio – era um Pathek Fhilip de ouro que valia no mínimo cinco vezes o preço das terras.
“E quem me garante que esse relógio é seu?”.
“Aqui está o certificado de propriedade e eu estou assinando um termo de penhora a seu favor”.
“Então se no espaço de um ano o senhor não vender as terras que eu não comprei,eu pago 20 contos de réis e fico com o seu relógio (??)”
“Isso mesmo. O senhor tem raciocínio muito rápido e não esta de costas para um bom negócio”.
O coronel, que era bastante vaidoso, gostou do elogio e apreciou mais ainda ganhar um belo relógio (de forma legal) por meia dúzia de patacas.
“Está feito!”
Assinaram o que tinha que ser assinado. Lafaiete entregou o Pathek com a documentação e saiu prometendo voltar breve para resgatar seu compromisso.
Cel. Fulgêncio estava eufórico com a grande cartada.
Menos de três meses depois o corretor voltou com um volumoso pacote de dinheiro.
“Coronel – isto é seu. É o produto da venda das suas terras”.
“Mas o que o senhor está me dizendo??..”
“Isso mesmo. Promessa é divida ...”- e entregou ao Cel. um maço de contos de réis que daria para comprar uma boa invernada de bois. Dinheiro para um, relógio para o outro estava terminada a estranha transação entre o corretor Lafaiete e o respeitado Cel. Fulgêncio. Despedidas e gentilezas. Na saída o coronel ainda lembrou:
“Quando surgir um bom negócio como esse não deixe de me procurar”...
Passou um ano e novamente Lafaiete se hospedou no Hotel Central. Desta vez não procurou o Coronel. Procurou amigos e conhecidos deste. Oferecia terrenos numa praia distante. Mais dia menos dia o coronel ficou sabendo da presença de Lafaiete na cidade.
Mandou um próprio chamá-lo com urgência a sua presença. Lá chagando ouviu um severo sermão:
“Mas e o senhor chega na cidade e não me procura??”
“Coronel, eu não lhe procurei porque desta vez não tenho um bom negócio”.
“Mas sou eu que decido o que é bom e o que não é....” – disse o coronel.
“É verdade - o senhor tem toda razão. Mas desta vez estou vendendo apenas alguns terrenos na Praia do Murundum, ali na enseada das baleias...”
“Isso me interessa”.
“Não é bom negócio Coronel”.
“Mas eu quero comprar”.
“O senhor manda e não pede”.
E assim o ambicioso Coronel Fulgêncio arrematou todo o lote de terrenos na Praia do Murundum. E pagou á vista. O preço equivalia quatro vezes o Pathek Philip. Feita a escritura, no mesmo ato autorizou Lafaiete a buscar negócio para os terrenos. Ora, se tinha ganho tanto naquela outra transação, por que não haveria de ganhar o dobro nesta??
Passaram-se os anos e Lafaiete não mais voltou. Um enviado especial, um dia, foi verificar de perto os tais terrenos da praia. Descobriu que Murundum era uma praia provavelmente da lua ou de algum outro lugar perdido na imensidão do Universo... E Lafaiete em algum hotel deste imenso Brasil, dormia de consciência tranqüila e dinheiro no bolso.

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