segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Risco de Morte

Acabara de comprar a melhor cobertura da Silva Sampaio. Móveis, utensílios e comodidades viriam logo, logo, a peso de dólares, pela influência gorda de um amigo prático, estrategicamente estacionado no Ministério da Fazenda. O carro, cheio de firuletes, não faltava falar... As roupas, caras, exclusivas e feias, vestiam bem o ego e mal tapavam a mancha congênita que insistia no braço esquerdo. No pulso, um relógio condensado em ouro, marcava a hora exata de examinar o iate depois de breve telefonema ao corretor da Bolsa:
-Alô, Jorge, aqui é o Midas Ferreira.
-Olá. Como passa o Senhor?
-Tudo bem, tudo bem. Olha, meu tempo é curto, portanto, presta a atenção.
-Pois não, doutor, pois não.
-Vende aquele lote da semana passada e compra algum outro que te der na telha.
-Pode deixar, doutor. Tudo bem. Providenciarei imediatamente.
-Tchau.
-Passe bem, doutor.
O telefonema tinha lhe dado uma pequena fome. Com quem almoçaria naquela quarta-feira de sombra e vento?? Zélia, a fiel secretária, por certo já tinha providenciado tudo. Tomara não fosse aquele banqueiro suíço, branco, mole e chato que, em língua portuguesa só aprendeu a dizer “obrigado”... Não, Zélia era mais esperta do que se pensava. E o jantar, com quem seria? À noite não poderia esquecer o compromisso com Vanessa que pedia, encarecidamente, a oportunidade de agradecer-lhe o “vison” recebido no Natal. E o esboço da conferência em São Francisco será que já estava devidamente composto e corrigido? Infelizmente o Cairo teria que esperar mais seis meses por sua presença para a reinauguração das novas luminárias das Pirâmides...
-“O Mundo merece a Paz”... – tinha dúvidas se esse seria o fim ou o começo de seu discurso na centésima trigésima Conferência das Nações, em março próximo. Na hora saberia como resolver. Se não soubesse, seus diletos assessores dariam a última palavra. Ah, Monte Carlo: Chatíssima seria a escala na Etiópia para abraçar aquelas esquálidas crianças e assinar um cheque na frente das câmeras. Será que o Freitas fechou aquele negócio das minas na Bolívia? E as madeiras da Amazônia? E o petróleo do Paraguai? Problemas e mais problemas... Assim acabaria ficando irremediavelmente doente... Onde penduraria o quadro de Milton? Será que poderia ser ao lado do deVan Gogh? E os tapetes persas? A raridade faz a grande valia desse artesanato. Mais de setenta poderiam comprometer essa constante. Seria preciso vender alguns. Trocar, seria mais digno. Trocar por esmeraldas. Mineiras, quem sabe (?). Acontecesse o que acontecesse, teria que comparecer ao coquetel que o Presidente vai oferecer ao Mundo Livre, para consolidar o capitalismo. E o Bill? O que faria com o Bill? Seria prático e objetivo: daria rosas a Nancy e um par de botas a Bob. A questão da África do Sul preocupava, mas meia palavra sua seria suficiente, para resolver as coisas. Pior era o impasse entre as tribos afegãs. Será que teria de usar napalm para acalmar os ânimos?? Qual o número da conta bancária dos hemofílicos da Irlanda? “Se não me engano, hoje é o aniversário do meu alfaiate”. “Qual o nome do chefe do meu Projeto de Mísseis”?
-“O Irã me preocupa. O que farei para baixar a inflação brasileira?”
Ah, finalmente em casa – lar, doce lar.
-Mãos ao alto, isto é um assalto.
-Tudo bem, o que queres?
-O teu prestígio – a tua imortalidade.
-Isso eu não te dou, por dinheiro nenhum.
-Então vou te matar.
-Pode matar.
E o bandido apertou o gatilho duas vezes mas só conseguiu ouvir o sinal metálico do controle remoto trocando de canal. Pra sempre. Eternamente... Clic!

Um comentário:

heloisa beckman disse...

Muito legal,um breve percurso em problemas mundiais e de repente um corte...duvidoso.