quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

O rastro

A moderna técnica de vender tem muitos lados e diversos desdobramentos.
A melhor escola do ramo continua sendo a do Oriente Médio (judeus, árabes, gregos, turcos, etc), mas a mais sofisticada é a norte-americana, sem sombra de dúvidas. E é de lá que vem mais uma novidade.
Para engrossar o fantástico contexto do “marketing”, surge, agora, um artifício que ainda vai dar muito o que falar. Chama-se “rastreabilidade” do produto. Consiste em perseguir, acompanhar e monitorar a mercadoria no pós-venda, até sua “última morada”. Não basta vender – é preciso saber por que se vende, para quem se vende e o que efetivamente se vende. O objetivo é óbvio: - vender mais e vender sempre...
Não basta vender um carro, por exemplo. É útil “rastrear” a satisfação do cliente, as circunstâncias de uso, a dependência, os novos valores advindos do ato de adquirir e utilizar as inusitadas vantagens ou desvantagens do negócio, enfim – é preciso embarcar junto com a mercadoria para ver e conhecer o “prazer” do usuário/consumidor.
Definitivamente, terminou aquela história de “comprar só para se ver livre do vendedor”... Agora não é mais assim. Se você comprar uma lata de salsichas, pode esperar que amanhã estarão batendo em sua porta querendo saber o que você fez com elas (?)...
-         O sr. já comeu as salsichas?
-         Olha, eu comi umas duas e as outras dividi com o cachorro...
-         Aonde está o cachorro?
Pode acreditar que atrás das portas e das vitrines, embaixo dos tapetes, na dobrada das esquinas, sobre o telhado, atrás das cortinas, no sótão, no portão, no vestíbulo, na cozinha, dentro do armário, nos pingentes do lustre e dentro do Box, têm um exército de incansáveis e determinados “rastreadores” espionando suas reações e “acompanhando o produto”. Você, que acaba de adquirir um colchão, não se surpreenda se, na calada da noite, e no bom do sono, for, gentil e sutilmente, despertado só para responder uma meia dúzia de perguntinhas assaz oportunas e deveras importantes para o progresso mercadológico de nosso louco mundo consumista. Não se surpreenda!...
Tem gente rastreando preservativo! Tem...! Em que pese os eventuais constrangimentos, a nova técnica veio para ficar e se disseminar.
Fico imaginando a divertida ou perigosa situação de rastreamento de mercadorias menos ortodoxas tais como bombas-relógios, granadas, empadas de rodoviária, xaropes para tosse, anti-diarréicos, Chevette 84, gravatas-borboleta, papel H, grampos para cabelo, zíper, galochas, disco dos Abóboras, erva mate de pauzinho, relógios Rolex (com dois erres), caninha da boa, óculos rai-ban, calças brim coringa, uísque paraguaio, etc, etc.
Cá com meus botões, dou asas a imaginação só para acompanhar o esforço de rastreamento de um par de alpargatas compradas ontem pelo heróico Abedão, bem ali no singelo (e sortido) armazém do Anicleto. Já pensaram?...?
Abedão comprou (e pagou – uma em cima da outra) um par de alpargatas 42, cor preta, pedindo pé e cancha e um bom tempo para sová-las. Os atentos e resolutos rastreadores foram atrás. Logo observaram que Abedão, desavisadamente, pisou em algo inconveniente reforçando um clima cujo odor espantaria qualquer mortal. Depois, notaram que Abedão sequer tirava as ditas cujas nem para dormir. Mais adiante, constataram que o consumidor não as calçava por inteiro, preferindo usá-las, displicentemente, como chinelos, deixando liberto o garrão. No baile, testemunharam a presença das ditas alpargatas esfregando o chão naquela vanera baguala e, vez por outra, pisavam os pés da prenda e chutavam o xale da sogra. Na hora de bebericar uma “guaraná”, lá estava Abedão, com um pé na alpargata e o outro solto e feliz da vida. Os rastreadores estavam sobrando em contentamento com o desempenho do produto. Ali estava um consumidor feliz... Estava??...
Pois sim – quando percebeu que estava sendo escandalosamente, observado, Abedão não se fez de rogado: - Tirou um pé da 42 preta e sampou na orelha de um rastreador. A outra, encostou no nariz do companheiro intrometido, deixando-o desmaiado por muitos dias. E assim se conta a história dessa nova técnica de vendas que tem tudo para dar certo. Ah, se tem...! 

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