quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

O regime

Não sei, ao certo, se a proposta era emagrecer dez quilos em noventa dias ou noventa quilos em dez dias (?)... o fato é que, finalmente, surgia, uma proposição séria, pertinente e lautamente exeqüível para o banimento definitivo daquelas perniciosas e incômodas gordurinhas denunciadas no fecho da calça, no botão da camisa, na mola do sofá, na estreitura da porta, na partilha do oxigênio, na amarração dos sapatos, no barulhão do mergulho, na ocupação das toalhas, nas pegadas na areia, na pulseira do relógio e por aí vai...
Tentara de tudo: - caminhadas, malhação em regra, pedaladas, spa, corridas noturnas, chá de losna, fibras, massagens, lipo-aspiração, fluídos, simpatias, carvão, hipnose, danças, gnose, bailados, halteres, corda de pular, patinetes, enfim, tudo.
Experimentara, inclusive, a conhecida e respeitada “dieta lunar”, tida e havida como tiro e queda. Pois o tal regime, que na verdade tinha lá seu fundo ligeiramente esotérico, eivado de misteriosa praticidade  e doída simplicidade, consistia, então, na mera e descarada decisão de “não comer”. Prático, simples e eficaz.
E a lua, onde entra nisso? – perguntarão, com sobrada razão.
Ora, como nada acontece de graça no imenso e complicado universo da vontade humana, seria (e é) necessário interpor um sutil derivativo, tão justo quanto, sobejamente, convincente para que tudo se satisfaça e nada regurgite: - contemplar a lua enquanto não se come e não comer enquanto se contempla a lua. Daí porque lunar...
E contemplar não será apenas olhar. Terá que, forçosamente, ser mais e melhor: - compreenderá filosofar, poetar, cantar, proclamar, delirar, gritar, praguejar e... enlouquecer!
A coisa, realmente, funciona “se” e “enquanto” persistir um severo esforço de auto-disciplina e farto senso de boa vontade.
Será fundamental que a dieta sobreviva mesmo em noites de lua oculta – imaginá-la, será decisivo – e, convenhamos, será grandemente útil, não ficar por ái pensando ou dizendo que a boa lua é aquela que mais parece um saboroso queijo suíço ou um bem fornido pão-de-ló da vovó...
Cá entre nós, que a lua lembra uma bela bolacha, ah, isso lembra!...
Simplesmente “não comer” não era o suficiente – era preciso um bom  motivo para jejuar. Fosse religioso, químico, político, estético, psicológico, endocrinológico – viesse de onde viesse – seria imprescindível a procedente motivação para desencadear guerra total e fulminante à indecorosa obesidade.
E agora surgiam, então, fazendo coro com outras descobertas prodigiosas da modernidade, as milagrosas pílulas do emagrecimento integral, limpo, sem efeitos colaterais, sem culpas, sem estrias, sem babados, sem rebuscos e sem riscados. Coisa de última geração. Uma por dia após o café – ou melhor, após um farto e bem nutrido café – seria mais que suficiente para processar o encanto de recompor a silhueta ao modelo idealizado.
E quantas idealizações se faz, de graça, nesse particular(?)...
Pois na esteira do Viagra, vinha fina a solução química para gordinhos e gordinhas, porque, afinal, de todos é o céu e de ninguém é a exclusiva benesse da leveza do ser...
Comprimidos de tirar a fome? Não, não e não. Depois de termos inventado a Internet, o ônibus espacial, a mega-sena, o fax, a banda cambial, o celular, a reeleição, a cirurgia endoscópica, o Walter Mercado, o Ratinho, o disc-laser, o plano real, a vacina anti-pólio, a Carla Peres, a parabólica, a cerveja em lata, o computador, a CPMF, a clonagem, a moratória, a soja transgênica, a camisinha, o bambolê, a realidade virtual, o pagode e o fio dental, seria improvável, tanto quanto sumariamente grotesco, repisarmos o caminho do simplismo vulgar. Não e não! A pílula do emagrecimento propõe emagrecimento direto – sem escalas e sem fricotes. Em seu âmago intermolecular possui comandos químicos poli-eficientes que interferem em nossos terminais psicossomáticos criando um clima de profunda interação comportamental de natureza político-carnavalesca que redundará em ação intra-atômica de redução absoluta no sentido da conversão peristáltica. Entenderam?...
Não importa. O que interessa saber é que as milagrosas pílulas farão mais pela dieta do emagrecimento do que as últimas medidas governamentais pelo regime sócio-econômico de nosso país.
Não acreditam? Tomem as pílulas; experimentem os comprimidos governamentais.
Comparem e verão. Quem viver – melhor dito – quem sobreviver, verá. Verá?...

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