quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

A última palavra

Houve um tempo em que os pais tinham a última palavra em casa. Decidiam horários, comportamentos, amizades e preferências dos filhos. Sem exclusão de afeto, os lares eram sólidos centros de disciplina.
         Algumas exceções ainda resistem, bravamente, neste “moderno” mundo de tantas alforrias. E ninguém perdeu pedaço por isso...
         Não havia uma supressão de vontades, apenas orientação tutelada, ou como quer a psicologia eufemística, uma liberdade vigiada.
         A educação vinha de casa e se completava na escola, no quartel, no trabalho e na vida.
         Feliz ou infelizmente, os tempos foram mudando a ordem desses fatores e isso tem mudado o resultado na equação da convivência humana. Hoje a vida ocupa o lugar de frente nessa vasta fila histórico-educacional.
         Mas, não é a vida conceituada por Bias ou classificada por Darwin. Nem a idealizada por Platão ou objetivada por Myra y Lopes. É uma outra que acontece acidentalmente, de maneira rigorosamente virtual e fetichista. Desce pela inconseqüência e se projeta nas telinhas. Tem cor aleatória e cheira a pó... Resmunga intolerância, respira egoísmo e fala agressividade. É uma vida que come vantagens pessoais e se tapa com os cobertores da anarquia. E assim é...
         Mas, a história que quero contar é menos tensa e mais palatável.
         Quando os tempos começaram a mudar, um amigo, com filhos para criar, começou, muito sabiamente, um pertinente trabalho de adaptação à nova ordem das coisas. Sabia que seria impossível lutar contra o novo mundo, brutalmente globalizado. O que ele dizia ou determinava em casa era rápida e sorrateiramente desmentido ou contrariado no mundo lá fora. Os filhos ouviam suas preleções, mas não podiam refratar os novos (e subversivos) comandos da existência extra-lar. O conflito era inevitável... Mas era decisivo ficar com a última palavra – fosse do jeito que fosse.
         Certa vez, o filhos mais velho, no olho de seu furacão adolescente, preparava-se para um passeio noturno. Meu amigo percebeu as intenções do guri e resolveu meter sua colher nessa liberalidade. Sentindo que a simples proibição era perda de tempo, puxou a carteira e alcançou “algum” ao filhote, num gesto de carinhoso provimento paternal e estratégico escudo do movimento seguinte:


-         Vais dar uma volta?
-         Vou, respondeu, com topete, o monossílabo adolescente em plena e extrema crise existencial.
-         Tudo bem. Dez horas de volta em casa...!
-         Qual é, pô (?...?) – tô chegando às doze e pencas...
Para não perder todo o sofrido e heróico quinhão de sua superioridade, o pobre pai não teve outra saída senão fazer valer sua última e respeitável palavra de chefe do lar e da família:
-         Então, não me passe das doze e pencas...!

Nenhum comentário: