quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Chove!!...

Incomodado por formigas, empregados, impostos e visitas inoportunas o Velho Moraes, um dia, resolveu vender a chácara. Chamou o corretor de sua confiança e autorizou o negócio. Coisa de ímpeto – impulsiva – momento de raiva e desgosto. Dois dias depois estava profundamente arrependido da decisão.
Mas, palavra é palavra, e naquele tempo era usual honrar-se a palavra empenhada, deixou correr a sorte por conta das tratativas do talentoso intermediário.
Lá por uma tarde de domingo aparece um interessado comprador para revisar a mercadoria. O Velho Moraes, contrariadíssimo, recebeu o pretenso e começou a mostrar as “comodidades” da chácara.
-         “Linda mangueira” – comentou, com entusiasmo, o pretendente.
-         “Precisa de reparos” – disse, secamente, o proprietário.
-         “Mas não embarra (?)...”
-         “Quando chove é um chiqueiro”.
-         “E os aramados, seu Moraes?”
-         “Ah, estão quase todos no chão”.
-         “Bem, isso se conserta...”
O empregado caseiro que assistia a conversa-caminhada olhou nos olhos do patrão, meio surpreso, sem entender o que estava acontecendo, pois os arames tinham sofrido reparos, recentemente...
-         “E o galpão. Seu Moraes?”
-         “No galpão chove – mais no centro e menos nas pontas...”
-         “Mas não chove”. Comentou o caseiro, timidamente.
-         “Chove ! !” – disse o Velho, de forma categórica.
-         “Tem formiga aqui?”
-         “Não só aqui – estão em toda a parte...”
-         “E a água?”
-         “É escassa, turva e saloba”.
-         “Mas é bem doce” – disse, com voz sumida, o empregado.
-         “Saloba ! !” – contraponteou o Velho Moraes, transpirando
impaciência.
A essas alturas o comprador  já estava entre desanimado e desconfiado.
-         “E a casa?”
-         “A madeira tem que ser toda trocada. Chove no quarto, na sala e na
varanda”.
-         “E na cozinha também chove? – “indagou, sutil, o esperto
interessado esperando surpreender uma contradição.
-         “Na cozinha não chove” – falou alto o caseiro, já, decididamente,
amotinado.
-         “É, na cozinha não chove” – concordou o Velho Moraes
aparentemente resignado. – “Na cozinha a água brota do chão como se fosse um manancial...”
-         “E os vizinhos?”
-         “São bons quando estão dormindo”.
-         “E os impostos?”
-         “São caros. Estou vendendo a chácara para poder pagá-los”.
Esse foi o tiro de misericórdia na alegria do comprador. Despediu-se e tratou de sair rápido de cena.
O Velho Moraes satisfeito de não ter faltado com a palavra e não ter cometido a besteira de vender a chácara, voltou para seus afazeres cheio de vontade e disposição. Enquanto ordenava a capina das laranjeiras ouviu uma ligeira queixa de seu caseiro.
-         “Seu Moraes, a casa está precisando de telhado novo”.
-         “Por que?”
-         “Porque chove como na rua”.
-         “Mas na casa não chove”.
-         “Chove ! – os outros compradores tem que saber disso...”
-         “Então chove. Mês que vem vou dar um reforço no teu soldo...”
“Chove e é mal assombrada, seu Moraes... 

Nenhum comentário: