quinta-feira, 10 de março de 2011

CINCO MARIAS – O JOGO

Como se todas as contas da vida estivessem naquelas contas de pano e areia, Maria atirou-as para o alto, aceitando o jogo. Quando caíram nas frias tijoletas da varanda, sentou-se, com graça, para passá-las, uma a uma, pelo delicado arco de seus dedos. Para não bulir, passou a primeira, com arte. Era a Maria da inocência – menina dos balanços e das gangorras, das bonecas e das manhas, das tranças e das lembranças. Maria dos brinquedos e dos segredos, das balas e dos pirulitos, dos Pedrinhos e dos Carlitos, dos contos e das fadas, dos baús e das maletas, dos verões e dos condões. Um ponto de promissão...
A segunda passou por intuição. Era a Maria dos desejos e dos arpejos. Dos sonhos e das querências. Maria sem paciência – ardente, ingente, indecente. Maria dos pecados, moça dos bordados. Maria adolescente, inconsciente, inconsistente. Mulher de quatro lados – Maria do príncipe encantado, que a raptará, no fundo da noite, para seu castelo distante, em um cavalo alado. Um ponto da paixão...
A terceira passou como passam as águas da fonte pelos labirintos do riacho virgem. Era a Maria dos filhos e das lidas. Do fogão e da sofreguidão. Maria do lar e do mar que a imensidão navega sem rumo e... sem razão. Mulher dos deveres e dos afazeres. Dos aluviões e dos perdões. Maria das tinas e das rotinas. Dos trapos, dos farrapos e das incompreensões. Maria dos partos e das mamadeiras, das doenças e das contradições, das rezas e das ingratidões. Um ponto de procissão...
A quarta passou como passa o vento dos outonos pelos troncos das árvores que choram o desterro de suas folhas de verão. Era a Maria dos netos e dos bisnetos. Mulher compadecida, sofrida uma santa na beirada da vida, esperando, de braços abertos, o milagre da gratidão. Maria do perdão e da complacência. Da experiência e da penitência. Maria dos degredos e dos silêncios, dos contados e dos crochês, dos sibilos e dos vacilos, dos tropeços e das bengalas. Um ponto do perdão...
A quinta, Maria passará pelo delicado ardo dos dedos da vida no fim do jogo e dos tempos. É a Maria das almas e das crenças. Das ladainhas e das venerações. Dos juramentos e das remissões. Maria dos céus e dos véus, dos altares, dos nichos e das comiserações. Maria dos rosários e das orações, dos milagres e das assunções, das virtudes e das vicissitudes. Maria – simplesmente Maria. Mais um ponto de redenção...
Esse é o jogo – assim será o milagre. Essas as Marias de Deus e do Mundo. Mas, que jogo é esse? Cadê a magia?
Esse é o jogo do amor e a mágica do intento, é a grande sorte das contas de pano, areia e vocação que caem, uma a uma, nas frias tijoletas de uma varanda chamada paciência...
Contas para o alto – o jogo continuará. Quem viver, jogará...

Um comentário:

Unknown disse...

Lindo teu olhar sobre um jogo, que na sua simplicidade, nos remeteria à infância somente. De muita sensibilidade! Um abraço.