segunda-feira, 14 de março de 2011

CHAVES

       Não saberia dizer de onde nem quando surgiu essa necessidade humana de chavear-se por todos os lados, sob diversos pretextos. O fato é que cada um de nós poderia valer seu peso em chaves...
         Já repararam quanta chave cada um possui?
         É a do cofre, a da gaveta, do telefone, do carro, da casa, da caixa postal, da moto, do computador, da porteira, da geladeira, da mala, do armário, do gás, da loja, da bicicleta, da adega, da urna, do campanário, da despensa, do galpão, da gaita, do avião, do baú, do navio, do relógio, da luz, da cidade, do coração...
         Houve um tempo em que se pretendeu medir o poder de uma pessoa pelo número de chaves que portava. Nessa época, de tamanho sincretismo funcional, ter a chave significava possuir a resposta. Ter a chave era ter a saída. Resposta de quê? Saída para onde? Dizia-se que o rei reinava mas quem mandava, mesmo, era seu guarda-chaves. Era? Os que conviviam entre gemônias e masmorras sabiam bem que era.
         Na Idade Média, os famosos cintos de castidade, chaveados por todos os lados, batizaram um estilo de vida ainda hoje, plenamente, valorizado. Naquele tempo, os heróicos e ausentes cavaleiros das Cruzadas, entregavam as preciosas chaves a guardadores tão confiáveis quanto eunucos...
         Em pragmatismo sabiamente solenizado pela máxima – “reze mas mantenha o camelo bem amarrado” – varou os séculos para chegar íntegro até nós, pelo bem de todos e satisfação quase geral da nação.
         Atavismo moral não se discute – cumpre-se e seja o que Deus quiser...
         Chave – esse objeto de amor e do ódio, da crença e da dúvida, da satisfação e da frustração, do sim e do não, da ação e da omissão, do bem e do mal, do tudo e do talvez...
         Mas, então, busquemos a origem dessa engenhoca tão cara para nossa humanidade. Quem, afinal, são os inventores ou descobridores de tal prodígio?
         Todos sabemos que a fechadura foi inventada  pelos portugueses. Foi!
         E sobre isso não resta qualquer meia volta de dúvida.
         E a chave? Essa veio tempos depois provocando verdadeiro furor no contexto histórico-existencial da época. Há controvérsias. Alguns dizem que foram os ingleses que, enfim, aperfeiçoaram o ousado invento dos lusitanos. Outros afirmam que a chave foi, realmente, “inventada” por um raivoso e asfixiado batalhão de gregos, a bordo de um imenso, desajeitado e trancafiado cavalo de madeira, na famosa invasão de Tróia.
         Conta-se, até, que a hercúlea tarefa precisou de auxílio dos que estavam do lado de fora. Há crônicas febris da época, relatando a particular dificuldade para destrancar-se a porta do tal cavalo.
         Dizem os detalhistas que nessa oportunidade podem ter surgido, em boa hora, a utilitária chave de fenda e a esnobe chave inglesa.
         A história não entra em pormenores, mas não é difícil deduzir que a própria chave cachimbo foi devidamente usada na ocasião, oportunizando o ato solene de fumá-la, depois do percalço, a fim de consolidar e referenciar a grande paz.
         Guerras à parte, voltemos ao miolo da questão.
         Há chaves para todos os gostos e propósitos. Existem as de braço, as de pernas, as gramaticais, as sistemáticas, as genealógicas, as borboletas, as de boca, as de estrela, as  eletrônicas e tantas outras, de inestimável valia.
         A melhor cena teatral que testemunhei foi aquela do gigante que após arrombar a porta do reduto onde estava a indefesa mocinha, engole a chave com estilo, mastiga  a dita cuja com arte, e lança cúpidos olhares em direção à presa, inapelavelmente perdida. Observem a dimensão dessa atitude, cabalmente irrecorrível!
         Vendo bem, na vida real, tudo é assim – uns fecham e abrem e outros apenas passam, ou jamais passarão...
         O assunto é vasto e merece outros desdobramentos. De minha parte, devo dizer, que estou aqui, atônito, solitário, desamparado, procurando utilidade para uma diminuta chave que não sei onde se encaixará. É uma chave pequena, simples, bronzeada e de pouco peso. É de uma gaveta, descubro com alegria e esperança. O que contém essa gaveta? Dólares? Ações? Jóias? O segredo da eternidade? As respostas da felicidade?...
         Não!
         Dentro da gaveta há mais uma porção de chaves... E só!
         

Nenhum comentário: