terça-feira, 17 de maio de 2011

ESTAÇÕES

Com o sol a pino, torrando o pasto, a pele e o ânimo, lá vem o verão, pondo as pessoas para fora das tocas e o corpo para fora das roupas. Quase tudo tem sabor de festa que se espraia na preguiça da sesta e na lentidão dos gestos, que sempre se ajeitam nas dobras fofas, onde boceja um tempo de sedução e transpiração.
Verão que a andorinha não faz sozinha, evapora promessas sérias, seca desejos responsáveis, aclara circunstâncias comezinhas e cozinha propósitos que se esvaem em folias de um bissexto fevereiro de acasos.
Verão que as sacia nas águas de março, mas que ainda suspira em maio. Estação do descanso mais cansado que a humanidade conhece. Tempo de planejar e arriscar... Tempo de matar moscas, espantar mosquitos, pisar gafanhotos, evitar jararacas – tempo de perigar...!
E as noites?... – pegajosamente quentes – como se fossem caramelos lambuzados nas mãos das crianças choronas – enchem os baleiros de nossos segredos, na prateleira dos medos...
Um pingo de suor ardido, escorrerá pela testa libertada da esperança para que uma lágrima agridoce não caia pela face da desventura aprisionada. Esse é o verão de nosso interior, repleto de sons, cheiros e cores, particularmente universais, sob sol torrente, que a santa sombra nos proteja, fechando seu ciclo ardente de magia e graça. O verão passa, verão. Verão?...
Quando as folhas se soltam das árvores, naturalmente, e uma brisa cristalina e fria ruboriza as bochechas da lua, vem chegando o outono, com sua riosa mochila de desafios.
Despenteia o plátano e amadurece a laranja. Arrepia os pêlos mas alisa as intenções. Bate no bordão mas afina o lá da viração... Tempo claro e limpo para pensar e prometer. Estação que faz germinar a saudade. Ah, que saudade! Outono dos alpendres e dos oitões, dos ritos e das canções...
Folhas mortas de ilusão – varridas para dentro do coração – amontoam-se no pátio das paixões... outono, outono... Passará!
A porta dos fundos treme. Um cachorro esconde o focinho da raiz da cauda. O tamanco bronco quebra a lâmina do gelo tosco, um vento. É inverno e o espinilho seco arde na lareira farta dos apaniguados. Um trapo mofo e curto espanta a morte enquanto as mangas do aperitivo barato defendem os braços de quem labuta por necessidade. A neve branca sugere paz mas o tempo é de guerra.
Inverno que campeia, alucinadamente, sua rima do inferno, esfriando a vida e congelando a vontade. Estação do vinho, do vizinho, do quentão e da sofreguidão. Ou não?... Tempo da moda. Moda de um tempo insano que se congela no minuano. O rancho pobre espicha o cobertor curto por que Deus manda. O palacete manda e não pede. Na varanda alguém se protege, mas no descampado alguém afronta. É inverno – tempo de luvas, casacões, camisetas, mantas e mantões. Um resfriado crônico, ou uma consciência aguda fartarão essa estação do sofrer. Hão de ver e crer que mais um “inferno” passará e a vida viverá.
Quando a begônia falar, o salso brotar e a rosa desabrochar, chegou a primavera. Essa irmã predileta de todos nós, cujo sangue quente corre solto pelas veias da natureza e da fantasia, inundará nossa alegria de viver e conviver. É tempo de vento e fermento.
Uma euforia, sem parar, pousará de flor em flor, fecundando a grandeza de nosso ser e fazer. A palavra, o ato, o pensamento, o cio e o comportamento são plenos e verdadeiros. É estação de realizações... Prima Vera, que bonita és, e que belezas me despertas! O vento que despenteia meus cabelos é o mesmo que levanta tua saia... O doce calor que aquece minha alma é o mesmo que esquenta o teu querer. Sejamos práticos – dois pra lá e dois pra cá, porque o tempo é de união. As flores que colhemos hoje são as prédicas que plantamos ontem. Tudo germina e tudo cresce porque é primavera, enfim...
Estações e estações. Conceitos e conceitos. De tudo fica um pouco...
Vendo bem, ficará o incomensurável conceito de então – alguém partindo no terminal dos trens, alguém chegando na estação dos ônibus.
Gente voando, gente navegando – estações testemunhando idas e vindas sem fim porque sempre será tempo de chegar ou partir, por amor ou solidão...
E, de novo, lá vem o verão – olha o trem...!

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