terça-feira, 17 de maio de 2011

O BARBEIRO DE SERRILHA OU A DESÓPERA...

Laminei a experiência profissional que agora conto, de cara limpa e devidamente aparada, na esperança de que, um dia, tenha alguma serventia para os que se iniciam na feliz aventura da convivência com barbeiros, cabeleireiros e similares.
         Para começo de conversa e para que este assunto possa desfilar garboso, sem as densas guedelhas da dúvida, devo dizer que tenho o maior apreço e inequívoco respeito pelos profissionais dedicados a essa digna, difícil e lendária ocupação. Na verdade, tenho grandes amigos nesse honrado segmento da atividade humana.
         Minha história data de antes da calvície que hoje ostento (e aí se explica e justifica a dita cuja) e, geograficamente, não ultrapassa os limites de Porto Alegre.
         Pois foi lá que certa feita, entrei no conceituado Salão São Cristóvão – (sempre pensei que este santo estivesse mais dedicado aos percalços do volante...), - onde seis ávidos barbeiros tinham formado um consórcio para atendimento da praça. Cheguei em hora de pouco movimento. Os seis estavam ali, entediados, de cadeira limpa, prontos e afiados para o serviço.
         Olhei em volta, distraidamente, mas notei que todos me observavam com comovida atenção e indisfarçável ansiedade. Por timidez ou comodismo, deixei escapar a intenção de sentar, logo na primeira cadeira. E foi o que fiz. Em questões rigorosamente pessoais tenho certa tendência para decisões ligeiramente aleatórias e decisões simplistas. É de se ver e registrar que, naquele momento, eu tinha a rara e doce chance de escolha soberana, tal qual os eleitores brasileiros em cada eleição geral...
         Declinei desse poder e votei, logo, na cadeira da porta.
         No justo momento em que me acomodava na poltrona, abria-se o pano para um drama paralelo que, até hoje, não assimilei – uma jovem e robusta senhora, fortemente armada de um polpudo afiador de navalhas, invadiu o salão, gritando palavras de ordem e seqüestrou meu barbeiro aos berros e encontrões. E tudo isso acontecia sob discreto e solidário silêncio da platéia.
         Subitamente despertado pela repentina e inusitada crise, decidi mudar o fulcro de minha escolha e, mais que rapidamente, entreguei-me, de corpo e alma, aos ditames da glória e da razão. Improvisei a estratégia e tratei de sair do olho do furacão, indo parar na cadeira do fundo. Em segurança, apreciei de longe, preocupado, as bordoadas finais da tragédia que surpreendera o Salão S. Cristóvão. Que dia...!
         Passada a tempestade, entesourou-se a calmaria.
E, ali, prostrei-me na poltrona do fundo a espera do seguimento dos fatos. Não há como negar que foi uma decisão sobejamente acidental. Foi?... Nada disso. Minha escolha, na verdade, teve outros fundamentos. Em que pese o susto e o inesperado, optei, isto sim, pela destra tesoura do simpático senhor dono de brilhante, pesada e ondulada cabeleira. Esse, pelo que aparentava, saberia de fato fazer a coisa certa. Obviamente...! Teria o dom e o prodígio de transformar estátuas de sal em seres animadamente agradáveis e criaturas admiráveis.
Ledo engano!...
Começou a tarefa por onde, (imagino) deveria terminar a obra – veio de navalha!... Não falei nada pois, artista é artista não se deve andar por aí provocando e contrariando os gênios. Depois finalmente, veio a tesoura e o pente. Veio um pouco tarde, lamentavelmente, pois o estrago já se perpetrara. Não reclamei. Deixei, simplesmente, que as coisas acontecessem, com a sutil expectativa de que, ao final e ao cabo, um momento milagroso, de repente, consertasse tudo. Afinal, uma pessoa que ostentava tão bela e diferenciada cabeleira, saberia por certo dar aos outros uma aparência diferenciada. Que nada!... O caminho de rato avançava, célere, sem perdão e sem solução. E foi bem aí que o furioso barbeiro deu por pronto o serviço. Paguei e saí, sorrateiro, como quem deve favor. Em casa, com calma, na frente do espelho, avaliei as dimensões do desastre. Minha fisionomia lembrava a do guri sem-vergonha que já tinha pago o castigo pela segunda vez. Minha carteira de identidade não passaria nem em porta de cabaré barato... Como é que pode? Como é possível que uma pessoa, estampando tão formidável cabeleira, e suave penteado, possa cometer tamanha barbeiragem?...
Elementar! O dito cujo quedelhudo barbeiro não aparava o próprio cabelo! Na verdade, quem cuidava de sua juba monumental era o tímido baixinho careca da cadeira número três. As aparências enganam. E como enganam... Essa, enfim, é a desópera da vida e a desarte da existência que, de fato, invade e domina a circunstância que nos mede e... apara – sem vaidade!...

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