terça-feira, 17 de maio de 2011

VER OU ENXERGAR

À primeira vista parece que ver e enxergar são grandezas funcionais, rigorosamente práticas, que atingem resultados obviamente iguais. Aparentemente é assim. No detalhe, porém, os dois conceitos brigam de faca e canivete e buscam abrigo em redutos absolutamente diversos. Só para ilustrar a teoria, conto algumas historietas dignas de registro e sempre acima de qualquer suspeita.
Um raivoso motorista, na hora de pagar a multa por ultrapassar o sinal vermelho, reclamava da sorte e buscava razões em várias instâncias:
-         Mas, afinal, não viste que o sinal estava fechado?
-         Ver eu vi...
-         E então?
-         Vi o sinal mas não enxerguei o guarda...

Aquele respeitável crente que vira a própria mulher ser, escandalosamente, aliciada para fé estranha, chutava a porta do templo em busca de respostas e explicações:
-         É um absurdo...!
-         Mas não viste que tua mulher corria, cotidianamente para o descaminho?
-         Vi.
-         E aí?
-         Vi e não acreditei.
-         Acreditar não é apenas ver...
-         Pois é, minha religião ensina que é preciso acreditar para ver.
-         Pois, então, já vês que basta ver para acreditar.
-         E minha mulher?...
-         Essa já viu, enxergou e acreditou.
-         Inês é morta...?
-         Está visto que sim. O pior cego é o que vê e não quer enxergar...

O dedicado e politizado eleitor que viu seu candidato perder, fragorosamente, a eleição, comentou:
-         Esse povo é cego!
-         Como assim? Não viu nem comparou as qualidades dos candidatos?
-         Não. Não enxergou a vantagem de sua decisão.
-         Ué, por quê?
-         Ora, porque poderia ter votado em gente que lhe desse cama, mesa, banho, roupa lavada e férias em Miami, aqui e agora, e não somente ano que vem, se a crise mundial não alterar e comprometer o orçamento do governo.../

Um deslumbrado conterrâneo, remetido para a cidade grande, a fim de educar-se e se aculturar, correu, célere, para a rua a testemunhar fato ruidoso. Acontece que ali na esquina da pensão, um carro esborrachara-se contra um poste. Correu para lá e foi ver de perto o drama do acontecido. Viu um automóvel atravancado com uma coluna de concreto bem concreta e uma porção de curiosos em volta. Viu e não acreditou. Ao curioso que tinha chegado antes, perguntou, afoito, com ansiedade:
-         O que aconteceu?
-         O senhor está vendo aquele poste?
-         Sim.
-         Pois o motorista não enxergou...

E assim se conta a história dos que viram e não enxergaram ou vice-versa.
Está provado que enxergar é uma qualidade do ver. Enxergar e ver é a potência positiva da vantagem e da convivência. Ver é ver – enxergar é ver e valorar.
Não basta ver para decidir, é preciso enxergar para eleger.
Quem não vê, não teme – diz o ditado. Mas quem não enxerga não tem sequer o direito de temer.
Ver é ver. Enxergar é ver e comprometer.
A propósito – você vê e lê, ou enxerga, lê e compreende?
Não precisa responder.
Veja, se for possível.
Enxergue, se for capaz...

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