terça-feira, 17 de maio de 2011

RECEITAS LUSITANAS

“Pão de hoje; carne de ontem
e vinho de outro verão, fazem o
homem são”.
        
         Meu avô, português, com quem convivi, fraternamente, até a penúltima dobra de minha adolescência, sempre cultivou respostas lúcidas para indagações febris. Como bons amigos, seguidamente trocávamos conversas úteis, francas e afetivas. Uma distância de quase sessenta anos no tempo cronológico, era quase insuficiente para criar diferenças ou levantar barreiras nesse relacionamento, que hoje invoco com tanta saudade.
         Falávamos de política, economia, religião, custo de vida, saúde, comidas, desmandos governamentais, progresso de Portugal, atraso do Brasil – filosofia teórica e prática – e coisas do dia a dia...
         Raramente falávamos de futebol! Tal rareza encontrou seu ponto extremo na Copa de 66, quando nossa Seleção perdeu, fragorosamente, para a equipe portuguesa. Evitamos o assunto para desviarmos prováveis incômodos e desconfianças. De carnaval, não falávamos, mas sempre coloquei ouvidos para apreciar, em silêncio, sua opinião, rigorosamente crítica, a respeito dessa festa, de muito gasto e pouco proveito.
Fundidas à imagem desse amigo, estão as tiradas, as observações, as críticas, as opiniões, os conselhos, as espontaneidades e as indefectíveis receitas, tão lusitanas na forma quanto humanas no conteúdo. Nascido na região de “Trás os Montes”, província de Mirandela, a um palmo da Espanha, aprendeu a fermentar a folclórica rivalidade com os fronteiriços. E para dizer sem rebate, sentenciava: - “Da Espanha, nem bons ventos nem bons casamentos”. A quizila histórica era de fundo cultural ou circunstancial, certamente.
Mas tão antiga que não valia a pena saber a origem.
“Um bom genro – beije-se-lhe os pés”.
“Nada mais caro e perdulário do que o desnecessário”.
“Para um bom vento há sempre um mau tormento”.
Sabedoria fácil, direta, objetiva e ligeiramente ousada que me passava sem custos e condições. Certa vez, saímos pela cidade pesquisando preços de pedra de isqueiro. Se alguém se choca com a diminuta valência dessa missão, que não esqueça que toda a areia da praia é feita de grão em grão...
“Ora, não me venhas de borzeguim ao leito” – costumava dizer para neutralizar a chatice de certos assuntos ou atitudes que vêm à tona em hora imprópria.
Sentado de costas para o vazio, olho, com mansidão, as marcas que o tempo fez. Encontro nelas o contorno da promissão e vários riscos que a vida e a imensidão rascunham de graça ou por vocação.Olho o espaço e vejo todos. Olho o tempo e vejo tudo. Para que eu olhe e sempre veja, comerei o pão de hoje e a carne de ontem, regados pelo vinho do outro verão. Só assim poderei alimentar a esperança de quem, um dia, outros verão...

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