terça-feira, 17 de maio de 2011

VER OU NÃO VER

Ainda não estou no ponto de andar por aí cumprimentando postes, mas quase. Devo confessar que enxergo bem pouco. Em movimento, então, é um desastre: - ou vejo o que enxergo, ou não enxergo o que vejo. Graças à sorte, um certo juízo e, especialmente, à competência do meu amigo Diuga, ainda sou admitido na roda dos que enxergam. Uso óculos é óbvio. Dois, para ser exato. Tito e Laval, que são craques nessa ciência, sempre resolvem meus problemas com amizade e muita eficácia. Aliás, se a humanidade quisesse tirar um dia de folga só para falar e orgulhar-se dos seus inventos, certamente diria muitas virtudes sobre esse prodígio que chamamos de óculos. Em ambientes mais sofisticados, não falta um que argumente com coisas mais modernas, tipo lente de contato, operação a laser e outros babados. Ainda fico com os óculos que vale por dois ou mais. É a chamada lente progressiva, que mata dois coelhos de uma porretada só. Serve para longe e para perto. Para ser sincero, não me adaptei com esse – ainda não nos entendemos. A tal estrovenga exige certos movimentos de pescoço, que a coluna não mais autoriza e requer alguns contorcionismos de olhar que não me atrevo experimentar assim, sem continuado e severo treinamento. Fiz os óculos e uso de vez em quando. Para andar em shopping é ótimo – conseguimos olhar para frente, na média distância e assim não corremos o risco de andar em círculo. Com calma, paciência e algumas caretas, podemos conferir os preços das vitrines que, diga-se de passagem, estão cada vez mais diminutos. É bom também para ver televisão com antena parabólica e pilotar o complicado controle remoto. No entanto é altamente não recomendável para descer as escadas...
Lá do fundo da minha deficiência ouço, com inveja, a pitoresca história de um moço destas paragens que certa feita precisou usar óculos. O espanto da família, amigos, familiares, vizinhos e conhecidos foi imenso:
-         Tão moço e já precisando de óculos...?
Mas aí veio a pronta justificativa, para alívio de todos:
-         Fulano vai ter que usar óculos para diminuir sua força visual, ele não enxerga de menos e sim demais. Serão óculos especiais – meio turvos e escuros para deter, um pouco, essa fúria enxergativa.
Imaginem que o pobre rapaz já está desenvolvendo alguns traumas e complexos em razão do exposto. Vê além paredes, além vestidos e outros aléns... Que problema!...  
Meu amigo e compadre Geraldo Weimann, dono de uma bela e saudável miopia, hoje um psiquiatra notável, quando estudante e colega de pensão, assinou um repente saboroso. Estávamos acomodados num dos bancos da praça Osório, em Pelotas, mansamente trocando porquês, quando chegou-se um conhecido muito perguntador.Ao ver Geraldo limpando os óculos, perguntou:
-         São de grau? Ao que Weimann respondeu: - Não, são óculos...
Geraldo continua cada vez mais míope mas também continua enxergando cada vez melhor a alma humana. Drumond de Andrade consegue ver o homem atrás dos óculos e do bigode. Vê também um bonde cheio de pernas. E vê o mundo, vasto mundo, dizendo que se um dia se chamasse Raimundo seria, no máximo, uma rima e nunca uma solução.
As lentes da poesia são sempre muito potentes...
Entre trevas, nuvens e vultos, me ocorre perguntar: Ver é saber ou saber é ver? Vê quem sabe ou somente sabe que vê? Ver o quê? O discurso traindo o exemplo? A paixão subvertendo o amor? O interesse subjugando o ideal?
A linha ou uma tropa de elefantes passando pelo buraco da agulha?
Ver a dignidade batendo boca com a miséria? Ver o quê? Ver pombas voando aos pombais serenas e nossos sonhos voando céleres pra nunca mais?... Quem quer, enxerga o porquê – quem não quer, vê e só vê.
O pior cego, geralmente, é o melhor impostor – vê o que quer, não acredita no que vê, fecha a porta, cerra as cortinas e manda o acaso fazer outro mundo à sua imagem e semelhança, em favor de seus exclusivos interesses. Isso existe?
É só ver para crer... Ou será o contrário?...

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