terça-feira, 17 de maio de 2011

NO ELEVADOR

E por que estavam presos naquele elevador enguiçado, resolveram botar a conversa em dia, enquanto, esperavam providências.
-         A situação está difícil...
-         Qual situação – a do Brasil ou do elevador?...
-         As duas. Aliás, vendo bem, o Brasil está que nem este elevador – lotado e enguiçado...
-         A comparação não é justa. Nosso país tem espaço de sobra e há setores funcionando muito bem.
-         É verdade – funcionando à custa do sacrifício do resto. Mas, cadê o espaço?...
-         E para que servem esses milhares de quilômetros quadrados? Heim?...
-         Falo de espaços mentais, morais, intelectuais, funcionais – falo, enfim, sobre espaços humanos.
-         Como assim?
-         Claro. Cadê os empregos? Onde estão as oportunidades? Cadê o espaço da cidadania?... Cadê? Heim?
-         Isso é sofisma...
-         Sela lá o que for – a verdade é que estamos apertados como ratos em guampa...
-         Criticar é fácil...
-         Não estou criticando – estou apenas refletindo a realidade.
-         Calma, gente, é tempo de paz e parceria. É tempo de consenso...
-         Esse filme eu já vi...
-         Nós temos que dar um jeito de sair daqui, com urgência.
-         Do Brasil?...?
-         Não, do elevador, vivente.
-         E como tá ficando quente nesta baiúca...!
-         Calma, que a turma da manutenção já está providenciando o conserto.
-         Não confio nesses técnicos...
-         Na presente situação, não estamos em condições de não confiar. Temos que acreditar e esperar que a coisa ande.
-         Com isso é que não me conformo – esperar e acreditar – há anos fazemos isso...
-         E tem outro jeito?
-         Tem sim. Temos que instigar e provocar. Pisar no calo das pessoas para ver se reagem e tiram o pé deste marasmo.
-         Aqui dentro?
-         Não, no Brasil.
-         Já estou sem ar...
Nisto, ouve-se uma voz vinda ainda lá de cima.
-         Tenham paciência! Não se mexam! Já estamos providenciando o conserto. Procurem ficar no centro do elevador.
-         Tudo bem, vamos tentar. Essa é boa, esses caras estão de gozação. Quem vai poder se mexer nesta lata de sardinha...?
-         No centro! – repete a voz lá de cima.
Aquele elevador tinha encalhado por vários motivos mas, basicamente, por falta absoluta de manutenção. O problema que originara aquela pane específica provinha de um ligeiro e mero desencontro de vontades, uns apertaram o botão de subir e outros o de descer. O velho elevador, há tempos sem uma gota de óleo, não teve a mínima condição de administrar esse tipo de ambivalência e por isso atolou no meio de dois andares.
-         Esses caras vão deixar este troço cair...
-         Por favor, não seja tão pessimista.
-         É isso aí. Fica tranqüilo, a coisa é segura.
-         Segura, coisa nenhuma. Esse bando de incompetentes funciona na base da tentativa... do achômetro...
-         Aliás, como tudo neste País. Tudo é jogo, cara ou coroa, aleatório e festivo...
-         Ih, não vamos perder os cadernos. Vamos fazer o que o homem lá de cima pediu.
-         Mas não cabe todo mundo no centro!...
-         Tem que caber. Um pouquinho de boa vontade e logo a gente cai fora desta gaiola.
Deus te ouça...
-         Não bota Deus nessa.
-         Tem que botar, esse é imparcial e confiável.
-         Não sei não...
-         É sim, podes crer...
A voz lá de cima falou novamente:
-         Se abracem. Fiquem bem no centro. Vamos tentar pegar o cabo guia.
-         Não te disse que essa turma só tenta...?
Muito a contragosto, o pessoal se abraçou, foi para o centro e ouviu um ronco mais forte e sentiu um solavanco mais seco. A gaiola, enfim, acabou parando no térreo, a salvo.
Depois de duas horas confinados naquela geringonça, nem bem abriu-se a porta, saíram quase todos em atropelo, como bois brabos do brete. Cada um seguiu seu rumo sem se dar conta que o esforço conjunto tinha ajudado a resolver o impasse. A necessidade une, mas as circunstâncias egoístas do mundo moderno tornam a desunir. E assim será até o dia que não seja...
Quase todos saíram. Quase todos – lá dentro ficou um baixinho vestindo gabardine, com uma valise bem surrada na mão esquerda. Um dos técnicos responsáveis pela formidável façanha de salvamento, vistoriando o elevador, topou com o estranho passageiro.
-         O senhor não vai sair?
-         Não. Vou ficar.
-         Mas o senhor não tem medo?
-         Não tenho, não senhor.
-         O que o amigo pretende?
-         Quero subir. Depois quero descer. E depois subir...
-         Mas esse elevador pode entalar novamente...
-         Ótimo.
-         Como, ótimo? Não estou lhe entendendo. O senhor quer correr o risco de ficar preso de novo?
-         Quero. É melhor assim...
-         Como assim? Por que?
Porque estou desempregado e cheio de dívidas. Aqui, pelo menos, estou livre dos credores e alimentando a esperança de me contratarem como ascensorista... Subindo!... Descendo!... Entalando!...

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