E por que estavam presos naquele elevador enguiçado, resolveram botar a conversa em dia, enquanto, esperavam providências.
- A situação está difícil...
- Qual situação – a do Brasil ou do elevador?...
- As duas. Aliás, vendo bem, o Brasil está que nem este elevador – lotado e enguiçado...
- A comparação não é justa. Nosso país tem espaço de sobra e há setores funcionando muito bem.
- É verdade – funcionando à custa do sacrifício do resto. Mas, cadê o espaço?...
- E para que servem esses milhares de quilômetros quadrados? Heim?...
- Falo de espaços mentais, morais, intelectuais, funcionais – falo, enfim, sobre espaços humanos.
- Como assim?
- Claro. Cadê os empregos? Onde estão as oportunidades? Cadê o espaço da cidadania?... Cadê? Heim?
- Isso é sofisma...
- Sela lá o que for – a verdade é que estamos apertados como ratos em guampa...
- Criticar é fácil...
- Não estou criticando – estou apenas refletindo a realidade.
- Calma, gente, é tempo de paz e parceria. É tempo de consenso...
- Esse filme eu já vi...
- Nós temos que dar um jeito de sair daqui, com urgência.
- Do Brasil?...?
- Não, do elevador, vivente.
- E como tá ficando quente nesta baiúca...!
- Calma, que a turma da manutenção já está providenciando o conserto.
- Não confio nesses técnicos...
- Na presente situação, não estamos em condições de não confiar. Temos que acreditar e esperar que a coisa ande.
- Com isso é que não me conformo – esperar e acreditar – há anos fazemos isso...
- E tem outro jeito?
- Tem sim. Temos que instigar e provocar. Pisar no calo das pessoas para ver se reagem e tiram o pé deste marasmo.
- Aqui dentro?
- Não, no Brasil.
- Já estou sem ar...
Nisto, ouve-se uma voz vinda ainda lá de cima.
- Tenham paciência! Não se mexam! Já estamos providenciando o conserto. Procurem ficar no centro do elevador.
- Tudo bem, vamos tentar. Essa é boa, esses caras estão de gozação. Quem vai poder se mexer nesta lata de sardinha...?
- No centro! – repete a voz lá de cima.
Aquele elevador tinha encalhado por vários motivos mas, basicamente, por falta absoluta de manutenção. O problema que originara aquela pane específica provinha de um ligeiro e mero desencontro de vontades, uns apertaram o botão de subir e outros o de descer. O velho elevador, há tempos sem uma gota de óleo, não teve a mínima condição de administrar esse tipo de ambivalência e por isso atolou no meio de dois andares.
- Esses caras vão deixar este troço cair...
- Por favor, não seja tão pessimista.
- É isso aí. Fica tranqüilo, a coisa é segura.
- Segura, coisa nenhuma. Esse bando de incompetentes funciona na base da tentativa... do achômetro...
- Aliás, como tudo neste País. Tudo é jogo, cara ou coroa, aleatório e festivo...
- Ih, não vamos perder os cadernos. Vamos fazer o que o homem lá de cima pediu.
- Mas não cabe todo mundo no centro!...
- Tem que caber. Um pouquinho de boa vontade e logo a gente cai fora desta gaiola.
Deus te ouça...
- Não bota Deus nessa.
- Tem que botar, esse é imparcial e confiável.
- Não sei não...
- É sim, podes crer...
A voz lá de cima falou novamente:
- Se abracem. Fiquem bem no centro. Vamos tentar pegar o cabo guia.
- Não te disse que essa turma só tenta...?
Muito a contragosto, o pessoal se abraçou, foi para o centro e ouviu um ronco mais forte e sentiu um solavanco mais seco. A gaiola, enfim, acabou parando no térreo, a salvo.
Depois de duas horas confinados naquela geringonça, nem bem abriu-se a porta, saíram quase todos em atropelo, como bois brabos do brete. Cada um seguiu seu rumo sem se dar conta que o esforço conjunto tinha ajudado a resolver o impasse. A necessidade une, mas as circunstâncias egoístas do mundo moderno tornam a desunir. E assim será até o dia que não seja...
Quase todos saíram. Quase todos – lá dentro ficou um baixinho vestindo gabardine, com uma valise bem surrada na mão esquerda. Um dos técnicos responsáveis pela formidável façanha de salvamento, vistoriando o elevador, topou com o estranho passageiro.
- O senhor não vai sair?
- Não. Vou ficar.
- Mas o senhor não tem medo?
- Não tenho, não senhor.
- O que o amigo pretende?
- Quero subir. Depois quero descer. E depois subir...
- Mas esse elevador pode entalar novamente...
- Ótimo.
- Como, ótimo? Não estou lhe entendendo. O senhor quer correr o risco de ficar preso de novo?
- Quero. É melhor assim...
- Como assim? Por que?
Porque estou desempregado e cheio de dívidas. Aqui, pelo menos, estou livre dos credores e alimentando a esperança de me contratarem como ascensorista... Subindo!... Descendo!... Entalando!...
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