terça-feira, 17 de maio de 2011

A OVELHA LADRA...

Na verdade, a ovelha bale, mas são tantos os mistérios entre o céu e a terra que, às vezes, somos obrigados a espichar as fronteiras de nossa vã filosofia.
Para relatar um recente abigeato ocorrido no “povinho das sina-sinas”, arredo o aramado do conhecimento para abrigar o gordo rebanho dos absurdos e dos disparates.
O caso parecia simples na lavratura competente do inspetor de plantão: - Algumas ovelhas maneadas jaziam semi-vivas (ou semi-mortas), no interior de um carro de passeio, em lugar ermo, em hora suspeita.
Os fatos: - O piloto da tal condução e seu comparsa, instados a parar na barreira policial, para meras e habituais averiguações, contraditaram a ordem, acelerando em disparada. A polícia, diante de tamanho desacato, lançou mão de ação extrema, abrindo fogo contra a viatura. Acertou o ombro de um, mas o outro escafedeu-se  perdendo os chinelos. Mais perto, constatou-se a presença de uma dúzia de animais ovinos, mal acomodados, no interior do auto fugitivo. A singela dedução do “quem não deve, não teme”, foi suficiente para admitir-se que era um ilícito, considerando a reação intempestiva dos donos do veículo, diante da blitz policial.
No aprimoramento das investigações, verificou-se que as ovelhas pertenciam a terceiros e que nenhum documento oficial chancelava a legalidade daquele transporte. Abigeato puro e simples – sem dúvida!
Dúvida?...
Uma boa e farta embretada de dúvidas foi o que se seguiu nesse inquérito, quando o advogado esparramou argumentos em defesa dos ocupantes do carro em causa. Somente um era o dono, o outro era apenas um “carona” acidental.
O proprietário do sedã dizia, através de seu verboso defensor, não ter a menor idéia de como aqueles bichos tinham ido parar no interior de seu automóvel. Aproveitava para dizer, inclusive, que tal acontecimento o desgostava, profundamente, não só pela aberração mas, especialmente, pelo incômodo do prejuízo no estofamento e arredores. Sugeria, até, iniciar-se tratativas com vistas a uma procedente ação indenizatória, tão justa quanto justificada.
Quanto ao carona acidental, literalmente  acidentado, uma tropa de boas razões o socorrem, exigindo sua inocência sumária. Visto estava que o atropelo  de circunstâncias inconseqüentes violentou o arranjo e a ordem de sua ilibada volição cidadã, jogando-o no olho de um furacão casual, vitimando-o, lamentavelmente. Enfim, dois anjos pegos a traição pela insânia mundana, justo no imaculado portal dos cânticos etéreos. Que pecado...!
Já os policiais, de agredidos, passaram, milagrosamente, à condição de agressores e agora povoam páginas e páginas com justificativas e explicações. Tentam explicar por que estavam de campana e por que abriram fogo. São obrigados a esclarecer por que a água é mole, o fogo é quente e a roda é redonda.
Explicarão e justificarão, um dia, e tudo ficará bem.
As ovelhas e os proprietários, no entanto, estão em maus pelegos. Terão de buscar, a peso de ouro, verdadeiros gênios jurisprudenciais para safarem-se dessa formidável enrascada patrocinada pelo comportamento pernicioso de uma ovelha, provavelmente azul, que, criminosamente, desencaminhou todo o rebanho. Invasão de propriedade é o mínimo que se deverá imputar à conduta delinqüente dessas marginais de lã.
E os proprietários, então, culposos contumazes, onde estavam e o que faziam quando deveriam prover boa educação e princípios morais ao rebanho rebelde?... Onde já se viu invadir, assim graciosamente, propriedade alheia como se este rincão fosse terra sem lei?...
Reponha-se a ordem e a legalidade, enquanto é tempo, em nome da justiça, da paz e da liberdade. Tudo pela dignidade de nossas instituições!...
Diante do relato – na crueza dos fatos – questiono: - A ovelha ladra, ladra ou não ladra? Hein?...
Os fenômenos estão aí para quem deles quiser tirar bom partido, até em nome da sempre saudável cultura geral. O saber e o conhecer não ocupam lugar. Acreditar, confiar, compreender, explicar, produzir, policiar e justificar sim, são verbos que sempre enchem os espaços. E como enchem...!
Daqui onde estou, antes que o século acabe de balde, dá bem para ouvir o balido dos cães, o ladrar dos gatos e o miado dos burros, enquanto a caravana passa, garbosa, pelo umbral rotundo dos milênios pardos...
Até quando?...
Quosque tandem, Catilina?...! 

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