terça-feira, 17 de maio de 2011

UM MINUTO DE SILÊNCIO

Pois a festa momesca teve lá seus percalços, este ano, um Cerro Fino. O Bloco dos Bambas – elevado, provisoriamente, à categoria de Escola por seus muitos feitos em prol da comunidade carnavalesca, teve contratempo agudo, justamente na véspera de botar seu samba na rua: Morre-lhe a vetusta e nonagenária mãe de seu Presidente. Foi o caos. A comoção foi geral. Houve até quem dissesse que tal perda era, deveras, irreparável. Tratava-se da mãe do líder, e ia desta para melhor em hora, inegavelmente, injusta e imprópria.
A velhinha tinha dado sinais de desavença com a vida em agosto mas, enfim, resolveu expirar em fevereiro...
Foi decretado estado de calamidade pública no Bloco. A Diretoria resolveu que ficaria em reunião permanente. Argumentos de um lado, condolências do outro e não se chegava a um estágio de equilíbrio dentro do grupo. Na primeira rodada de conversações ficou resolvido que a Escola guardaria luto siciliano e não colocaria o pé fora da quadra. Os instrumentos, incansavelmente tangidos, tocados, afinados e lustrados, no correr do ano, foram solenemente guardados para oportunidade mais alvissareira.
Entardeceu, ventou, choveu e o Bloco serenou. Na manhã do dia D, o tão esperado dia de brilhar na avenida, as conversações foram reatadas. Muito debate, diversos e cansativos discursos e a indefectível questão do “sair ou não sair”, foi posta, novamente, na mesa. Protestos de um lado, ponderações do outro, a situação estava escorregando para a radicalização, quando falou forte o mais velho da tribo. Experiente, homem de muitas luas e muitos sóis, abriu um claro de silêncio para deixar seu argumento passar. Disse que, no fundo, sinceramente, uma coisa nada tinha a ver com a outra, pois apostava que a pranteada mãe do presidente, se ali estivesse, como de fato estava, seria a primeira a querer que a Escola brilhasse na avenida. Deu pano pra manga afirmação tão contundente. Lá na cozinha acendeu-se uma esperança, mas na sala as caras continuavam amarradas. Alguém levantou a idéia de resolver o caso na boca da urna, sintonizando o samba-enredo mais vencedor deste país, que era o da eleição geral, global e total. E assim foi feito. Contados os votos, venceu por ampla margem, a proposta de sair e botar pra derreter. Venceu, mas sob duas severas condições: Primeiro, não concorrer a prêmios e segundo, respeitar um minuto de silêncio lá, na hora suprema do evento.
Tudo acertado, instrumentos recalibrados, porta-bandeira nos trinques, bateria dando chispas, puxador afinado, saiu a escola encarando o samba/tema, pegando fogo. O samba corria solto mas a Escola, lá no fundo, estava triste e melancólica. Sambava, é verdade, mas com visível consternação. Na frente do Palanque Oficial o breque foi mortal. A evolução vinha num crescente ao som vibrante do “ala lá, ô, ô, ô,” e estancou de repente, como se aquele tivesse sido o último ato carnavalesco de todos os tempos. Silêncio total. As moscas foram, pela primeira vez, ouvidas no reinado de Momo. O próprio Presidente fez a senha de que o minuto estava se exaurindo. O maestro fez o gesto de que o minuto tinha acabado. No mesmo instante a massa foi despertada para a continuação do efusivo e contagiante “ala lá, ô, ô, ô...” - como se nada tivesse acontecido. Depois disso o Bloco, elevado provisoriamente à categoria de Escola, atravessou a noite e o resto da avenida espalhando samba e batuque por todos os lados – coisa de levantar defunto...
E assim, Cerro Fino provou, mais uma vez, que é possível juntar extremos; servir a dois senhores; conciliar teses e antitéses; unir sim e não; equilibrar querer e dever; amigar razão e paixão. Tudo é possível – desde que seja no carnaval...  

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