terça-feira, 17 de maio de 2011

A SUITE VINTE

Do começo ao fim, do sim ao não, do vício à virtude, do frio ao quente, da verdade à mentira, tudo passa pela suíte Vinte. É o ângulo harmônico do Universo, onde todas as linhas se encontram e os pontos resgatam seus segmentos. Será o centro? Tem tudo para ser...
Certa feita, faltou água no prédio. Menos na Suíte Vinte. Lá jorrava...!
Ué, por que? Ora, porque lá é a Suíte Vinte...
Sem mais suspense, sinto que é meu dever jornalístico relatar o que se passa nesse mágico lugar onde o tempo, o espaço e as circunstâncias dormem como crianças mimadas. A lógica também se espreguiça na vasta cama redonda que se reflete, imponente, no colossal espelho de teto. No frigobar jazem cervejas, refris, whiski, todynho, sucos e um vidrinho com a poção do Asterix.
A televisão, com tela panorâmica, se apertada nos botões certos, vai reproduzir, sem parar, sucessos tais – Assim Caminha a Humanidade, O Vento Levou, A Noviça Rebelde, Rambo I, II, III e outros. Aliás apertando o três pode-se ver, quantas vezes for possível (ou tolerável), a lendária cena final de Casablanca, filme que não apenas contou história mas fez sua própria história. E os pornôs? – perguntarão, ansiosos, alguns leitores. Pasmem, mas não tem. Quem conhece o lugar, sabe que esse tipo de expediente é completamente desnecessário. Desnecessário para que? Que cada um tire suas conclusões pois liberdade de imaginar é direito que deve ser assegurado a todos. Se a comunicação escrita copiasse a mediocridade da televisão, exaurindo consciências e assoreando vontades, seria a falência total de nossa capacidade de ser, sentir e saber. Imaginemos, enquanto é tempo...
Mas, voltando à Suíte Vinte, faço referência especial ao formidável banheiro desse cômodo. È imenso e  cheio de truques. Naquela banheira soçobraria, de sobra, o próprio Titanic, com lenda e tudo. No box cabe todo o exército da salvação, mais candidatos em campanha, com tambores, trombones e santinhos. A hidromassagem é tão aperfeiçoada que pode massagear o ego do mais desvalido dos flagelados pela seca nordestina ou pela enchente sulista.
Puxando aquela caprichosa e interessante cordinha, ouvir-se-á um barulhinho, seguido de um barulhão, como uma revolução de bolhas, carregando tudo o que deve ser carregado. Imaginem se esse aparelho fosse usado para nos vermos livres de todas essas chatices e vigarices que poluem nossa cidadania...!
Quanta demagogia, falcatrua, bandalheira, impostos, promessas eleitoreiras, etc, etc, não seriam escoadas cano a fora, para nunca mais?...
Voltando ao quarto, devo dizer que a luz indireta sugere um clima de paixão. Ou será reflexão? A cor grená das cortinas induz... Não perguntem a que.
O armário, como cartola de mágico, é fonte inesgotável de coelhos, pombas e bugigangas. Dizem até que uma vez, um hóspede pescador encontrou lá toda a equipagem para acampar na beira de uma barragem qualquer. Tinha tudo para pescar, quer dizer, tudo para acampar para pescar. Tudo mesmo.
Até um livrinho de piadas e um peixe dos grandes, por via das dúvidas. Mas como não estava bem iscado, escapou pelo corredor, entrou no elevador e foi nadar em outro armário...
Na verdade, dentro desse armário tem um pijama tamanho único que promete (e cumpre) bons sonhos noite a dentro. Tem listras vermelhas transversais sobre fundo branco. Ou serão listras brancas sobre fundo vermelho? Não importa – é um soberbo pijama listrado de tontear qualquer mortal. Tem um baby doll – (isso ainda se usa?) de virar qualquer cabeça. Coisa das mil e uma noites... Também tamanho único. Isso é problema nesse tempo de anti-regime...
Tem luvas de pelica. Confesso que não entendi. Mas não é para entender – é para usar. Que as use quem delas precisar.
Tem um cobertor de pele de nútria. Atenção ecologistas de todos os Partidos! Diz o gerente que esse cobertor foi confeccionado com peles de nutrias que morreram de morte natural. Sabe como é, nutrias vermelhas, doentes e desencantadas. Quem provará o contrário? De quem é o ônus dessa prova? Do dono do cobertor, dirá a lei. E o que adianta a lei dizer?...
Na gaveta de uma das mesas de cabeceira tem uma bíblia chancelada pelos penúltimos cristãos, que jura de pé junto, que Deus está sentado à esquerda de Jesus. Na parte interna da contracapa, informa endereço, telefax, código, internet, etc. Quem não se comunica se espatifa...
Na outra gaveta tem uma caixinha d’aquilo para evitar aquilo.
O tapete é magistral. Tem a textura e a frescura de um campo de golfe e a comodidade de um abraço de madrinha gorda.
Na parede da frente tem um quadro inspirador. É uma paisagem terna, verde-musgo-fugidio, que engole regatos serpenteando vales longínquos, cobertos de promissão.
Os lençóis, de puro cetim, são um desafio para os ginetes do sono. Escorregam por todos os lados. São brancos como almas de anjos e, igualmente, batem asas querendo voar. E voam...
E a vista? Ah, a vista é alucinante. Um mar de belos prédios come a primeira fatia do olhar. Uma igreja estilo gótico enche a retina sobre o centro. Árvores frondosas espalhadas em jardins paradisíacos completam o cenário. No centro esquerdo do panorama colhe-se, acidentalmente, um pobre coitado catando comida no lixo, fazendo que vê o acento torto de sua desdentada companheira na interminável fila da Previdência...
A vista é linda!...
Mas, afinal, onde fica essa tal Suíte Vinte?
Fica bem ali, entre a 19 e a 21. Onde? Bem ali onde nossa imaginação pode alcançar...

Um comentário:

Santana disse...

Muito bom, meu grande amigo Pacase. Gostei muito da tua crônica. Eu acrescentaria, em qualquer ponto, a morte do imortal tricolor. Grande e fraterno abraço.