terça-feira, 17 de maio de 2011

O DESPLUGADO

Voluntariamente, Alfredinho desplugou-se do mundo, tomou seu chá de alienação e sumiu. De uma hora para outra, não sabia, nem queria saber de mais nada.
Se perguntassem quem tinha ganho ou perdido as últimas eleições, dava de ombros, passava a mão na vasta melena e dizia, com certo ar de satisfação: - Não sei  nem me interessa...
Chegou ao cúmulo de não saber qual a novela mais pontuada na pesquisa. Não sabia, igualmente, qual o programa de auditório de maio audiência na TV. Desconhecia a última bobagem do governo e não tomou conhecimento do recente aumento de impostos. Estava completamente por fora das novas explicações oficiais da crise e sequer sabia que a mega-sena estava acumulada.
Da moda no vestir, não sabia absolutamente nada. Todos os dias vestia sua cala roxa de boca-de-sino, um par de chinelas esgarçadas, camisa de linho duro, óculos Ray-ban, chapéu panamá e andava por aí à toa, chutando paus e pedras, ao deus dará...
Aposentado juramentado, não sabia, ao menos, que estavam mexendo fundo em seus interesses. Fez questão de esquecer seu número do CIC e a senhora do cartão bancário. Preço da gasolina, do leite, do feijão, da cachaça, da aspirina e do cabaré, não sabia de jeito nenhum. Não sabia (vê se pode!) que era dezembro, o mês do Natal...
Fez questão de não lembrar que era pai de família, marido competente, vizinho presente, partidário aguerrido, torcedor apaixonado, sócio honesto, profissional graduado, consumidor alegre e contribuinte disciplinado.
Alfredinho não sabia que as bolsas tinham caído nem que as saias tinham subido. Não lia jornal, não ouvia rádio nem via televisão. Internet, fax, celular? – nem pensar... Não escrevia nem recebia cartas. Não jogava, não fumava, não bebia nem conversava.
Ontem, quando todo o mundo passou por ele apressadamente, para assistir a benção do Papa, perguntou ao poste: - Que Papa?...
Não cobrava nem pagava contas. Não dava nem recebia bom-dia, boa-noite e até-logo. Raramente falava, mas seguidamente assoviava. Sabem que melodia Alfredinho puxava no bico? Sabem? Era o “Risque”, consagrado pela potente e saudosa Nora Ney. “Risque meu nome no seu caderno”... Lembram?
Para pôr um termo final em seu voluntário desplugamento, Alfredinho resolveu limpar sua última conta no Banco. Guardaria seu dinheiro em casa, embaixo do colchão, à espera do Juízo Final que, por certo, não tardaria. Com muito esforço, correu à casa bancária e pediu o que era seu.
-         O senhor precisa preencher o cheque, seu Alfredo – disse o caixa, com gentileza.
-         Cheque? Que cheque?
-         Este aqui – disse o solícito funcionário, passando um cheque avulso ao confuso Alfredo.
-         Ah, sim... – balbuciou Alfredo, com olhar perdido.
-         Ponha a data, por favor.
-         Data? Que data?...
-         Sim – dia, mês e ano.
-         E que ano é hoje?...
-         98, seu Alfredo. Falta só mais um para o fim do século... – comentou o simpático atendente.
-         Século?... Que século?... – questionou o nervoso Alfredo, agora com audível rouquidão e visível tremor nas mãos e pálpebras.
-         Ora, o vinte! A porta de entrada para o novo milênio... – sentenciou, exultante o alegre cidadão atrás do balcão.
-         Que milênio?...
Choveu, ventou, passou.
Enquanto as pessoas correm para atender suas contas e compromissos, Alfredinho balança-se, comodamente, em sua rede de frente para o poente, esperando ver o sol ressuscitar. Enquanto tal não ocorrer, continuará ali, desplugado, sem nada para receber, sem nada para pagar...!
Alienado! – diremos todos. Livre! – dirão os deuses da circunstância, sentados nos tronos da conveniência e... da razão!

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