terça-feira, 17 de maio de 2011

ORDEM E MÉTODO

Tenho um amigo realmente ordeiro. Na casa tudo está em seu devido lugar. Os livros na prateleira, as camisas no camiseiro, a manteiga na geladeira, a tinta no tinteiro, o dinheiro na carteira, o cigarro no cinzeiro, as galinhas no galinheiro, os filhos no travesseiro e a esposa... (onde está a esposa?) – a esposa, sua copeira predileta, está na soleira, de braços abertos e beijoqueira, ajudando a passar a limpo, com amor e graça, mais um dia de santa ordem e abençoado método.
Tenho outro que não reza pela mesma cartilha. Na casa desse as coisas estão em algum lugar. Há livros na geladeira, a manteiga esteve no camiseiro e também na carteira, tem tinta no travesseiro, um cigarro achou algum cinzeiro e na soleira tem dinheiro. Os filhos estão na estrada, as galinhas no vizinho e a mulher na prateleira. A ordem dos fatores pode não ser exatamente essa, mas isso pouco importa, pois nada altera o resultado. Resultado? – Meus dois amigos são felizes, cada um à sua maneira. E o pior é que, seguidamente, convivem, em terreno neutro, sem qualquer arranhão.
Dizem os entendidos, que ordem e método configuram uma disposição especial do espírito tendente à perfeição, à transcendência, ao nirvana, etc...
Paulo Mendes Campos contou o caso de um indivíduo que fazia tudo, banho (que banho!...), vestia-se, tomava café, lia jornal, despedia-se dos serviçais e rumava para o batente. Certa feita, foi cruelmente atropelado pelo bonde na frente de casa. Ele agia e se comportava com ordem mas o bonde, infelizmente, não...
O certo é que ordem e método são, segundo os técnicos, meios, armas ou ferramentas reconhecidamente eficazes para a consecução e o alcance de fins positivos compensadores. Dizem até que, na verdade, os meios condicionam os fins. Será?
Há quem diga, no entanto, que a genuína centelha da vida está, justamente, no caos, na desordem e no aleatório. Que a tentativa de organização é a verdadeira força motriz da vivência. Há quem diga.
Enquanto não se alinha uma posição inquestionável a respeito do tema, relato um caso pra lá de verídico, apenas para estimular o saudável debate. Com ordem, é claro:
Conheci um sujeito tão metódico e ordeiro que um dia, cansado da rotina, queimou os próprios chips e quase provoca um desastre geral.
Todos os dias limpava duas vezes os sapatos no capacho da entrada, cumprimentava o porteiro, apertava o número cinco no elevador, fazia o sinal da cruz, dava duas voltas na fechadura, beijava a esposa, acariciava os filhos, estirava-se no sofá, tomava dois goles, acendia o charuto e adormecia contando carneiros de uma raça definida. Um dia, em tempo de carnaval, limpou os sapatos no porteiro, beijou o elevador, fumou a chaves, acendeu a esposa, estirou-se no capacho, bebeu o sofá e adormeceu fazendo o sinal da cruz, ou coisa que o valha. Dessa vez, contou um rebanho inteiro de ovelhas de muitas cores que pulavam e cantavam sob o comando de um alegre pastor gordo.
Nesse dia será que teve seu momento de surpresa e liberdade?... Será?
Não sei. Não entrarei nessa discussão enquanto não se encaminhar a solução para o seguinte impasse – nascer com ordem para morrer com método, ou nascer com método para morrer com ordem?...
Enquanto isso, pensemos. Enquanto pensamos, que venha aquele sorvete de chocolate, creme e morango, com uma cereja em cima. Primeiro o creme ou o chocolate? A cereja por cima ou por baixo? E o morango?
Sejamos metódicos... ordeiros... o sorvete pode esperar. Pode?  

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